A vice-presidente Kamala Harris deixou o ex-presidente Donald Trump em uma postura defensiva em boa parte do debate desta terça-feira 10 entre os candidatos à Presidência dos Estados Unidos. O encontro ocorreu na Filadélfia, com transmissão da ABC News.
Trata-se de uma mudança significativa em comparação com o debate de junho, no qual o presidente Joe Biden teve um péssimo desempenho diante de Trump. No mês seguinte, o democrata anunciou que não buscaria a reeleição e anunciou seu apoio a Kamala.
O cenário para a disputa presidencial de 5 de novembro é de extremo equilíbrio. Havia uma dúvida até sobre animosidade na entrada dos candidatos no estúdio, mas eles se cumprimentaram com um aperto de mão antes de se dirigirem a seus púlpitos. Ao fim do programa, não houve despedida entre eles.
Kamala foi incisiva contra Trump em temas como direito ao aborto, racismo e os problemas judiciais de seu adversário. Em diversos momentos, o ex-presidente tentou tergiversar e empurrar a discussão para o seu assunto predileto: a imigração ilegal.
Pesquisas indicam que a economia é a principal preocupação dos americanos, razão pela qual o custo de vida foi o primeiro tema no debate.
Kamala evocou seu histórico de classe média e falou em criar uma “economia de oportunidade”, além de acusar Trump de querer beneficiar os ricos. Ela se refere ao plano de seu oponente de ampliar tributos sobre importações, particularmente da China.
O ex-presidente, por sua vez, tentou logo em sua primeira resposta recorrer ao problema na fronteira com o México. Sem explicar em detalhes, ele ameaça determinar uma deportação em massa caso retorne à Casa Branca.
Um ponto importante do debate foi a participação efetiva dos mediadores David Muir e Linsey Davis. Não foram raras as ocasiões em que eles apontaram declarações falsas ou descontextualizadas de Trump – por exemplo, quando ele alegou que migrantes comeriam animais de estimação em Ohio.
Na internet, apoiadores do republicano criticaram os âncoras pelo que consideraram uma conduta parcial.
Debate entre Donald Trump e Kamala Harris, em 10 de setembro de 2024. Foto: Saul Loeb/AFP
Veja alguns dos destaques do debate desta terça:
- Direito ao aborto: Kamala busca transformar o tema em um trunfo de sua campanha. Sem provas, Trump voltou a acusar os democratas de defenderem o “aborto” mesmo após o parto. A mediação do debate teve de intervir: “Não há estado no país em que seja legal matar um bebê após seu nascimento”.
- “As pessoas não precisam abandonar sua fé para concordar que o governo, especialmente Trump, não deve dizer às mulheres o que fazer com seus corpos”, devolveu a democrata. Ela reforçou os riscos enfrentados por grávidas (por exemplo, aquelas que sobrevivem a estupros) ao buscarem assistência médica.
- “Donald Trump escolheu pessoalmente três membros da Suprema Corte dos Estados Unidos com a intenção de que eles derrubassem as proteções do caso Roe vs. Wade, e foi exatamente isso que fizeram”, acrescentou a vice-presidente.
- Imigração ilegal: Kamala buscou transformar um tema delicado para sua campanha em um potencial ativo. “Sou a única aqui que processou organizações organizações criminosas transnacionais por tráfico de armas, drogas e pessoas”, afirmou. É uma referência ao seu passado de procuradora-geral da Califórnia. “As pessoas precisam de uma líder que apresente soluções, que enfrente os problemas.”
- Trump, por sua vez, ansiava pela chegada desse tema. Ele chegou a mencionar uma teoria da conspiração sobre supostos imigrantes haitianos que comeriam cachorros e gatos em Springfield, Ohio.
- Provocações: Com meia hora de debate, Kamala fez uma provocação direta a Trump, ao afirmar que os apoiadores do ex-presidente saem de seus comícios entediados. Ele respondeu dizendo que ninguém comparece aos atos da democrata.
- O telhado de vidro: Kamala disse que Trump “foi processado por crimes de segurança nacional, crimes econômicos e interferência na eleição”. Ela reforçou sua estratégia de apresentar Trump como um criminoso. É a tentativa de definir a eleição como a disputa entre uma ex-procuradora-geral e um condenado.
- Sem provas, o republicano acusou a gestão Biden de “transformar o governo em uma arma” para persegui-lo.
- Ataque ao Capitólio: Trump tentou se afastar da responsabilidade por seus apoiadores terem invadido a sede do Congresso em 6 de janeiro de 2021 para tentar impedir a certificação da vitória de Biden. Sem surpresas, voltou-se aos imigrantes ilegais: “Quando essas pessoas serão processadas?”.
- A mediação do debate tentou por duas vezes fazer Trump se pronunciar sobre os seus atos naquele dia, mas ele desconversou. Também omitiu o fato de ter, ao longo de meses, insuflado seus apoiadores com teorias conspiratórias sobre fraudes na eleição.
- Alegações de fraude: Questionado pela mediação do debate, Trump ainda não aceitou a derrota para Biden em 2020. “Não reconheço, de jeito nenhum. Tem muitas provas, basta olhar para elas”, declarou, em referência a insinuações vazias de irregularidades na votação.
- “Trump foi demitido por 81 milhões de pessoas”, disse Kamala. “Ele tem dificuldade de aceitar isso. Mas não podemos ter um presidente que atente contra a vontade dos eleitores em uma votação livre e justa.”
- Sem surpresas: Após Kamala dizer que Trump é motivo de piada no cenário internacional, o republicano evocou sua proximidade com um líder específico: o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, um dos expoentes da ultradireita europeia.
- Gaza sob ataque: Questionada sobre como poderia acabar com a guerra, Harris disse que “trabalharia dia e noite”. Trump também não ofereceu uma saída crível e disse apenas que o conflito sequer teria começado se ele fosse presidente. Alegou também que a Rússia não teria invadido a Ucrânia se ele estivesse na Casa Branca.
- Racismo e política: Trump teve de responder sobre por que questionou a autodeclaração racial de Kamala. “Não me importa o que ela é”, disse o ex-presidente. Basicamente, repetiu sua alegação de que a adversária de repente se definiu como negra. A democrata classificou como “uma tragédia” o que vê como tentativa de usar o tema para dividir os americanos.
- Identidade própria: Trump buscou colar Kamala ao atual presidente. “Ela quer se afastar, mas ela é Biden”, declarou. A democrata devolveu: “Claramente eu não sou Biden e certamente não sou Donald Trump. Quero oferecer uma nova geração de líderes aos americanos”.
- Momento delicado para Kamala: Um ponto negativo para a vice-presidente envolve mudanças de opinião ao longo dos últimos anos em temas como recompra obrigatória de armas semiautomáticas e descriminalização das travessias de fronteira. “Meus valores não mudaram”, respondeu.
- Trump tentou capitalizar: “Ela quer confiscar suas armas”. Também chamou a adversária de “liberal radical de esquerda”.
Palco do debate, a Filadélfia fica na Pensilvânia, um dos sete estados-pêndulo (aqueles que não são claramente democratas ou republicanos).
As pesquisas de intenção de voto apontam uma disputa acirrada, com empate técnico entre Kamala e Trump.
Nacionalmente, o ex-presidente aparece com um ponto de vantagem sobre a atual vice-presidente (48% a 47%), de acordo com uma pesquisa New York Times/Siena College conduzida entre 3 e 6 de setembro.
A diferença é tão pequena que se torna difícil indicar uma tendência, especialmente porque as eleições nos Estados Unidos não são decididas por maioria simples de votos, mas por um colégio eleitoral formado a partir da votação dos candidatos em cada um dos 50 estados.
Ou seja: ter o maior número de eleitores nem sempre é suficiente para a vitória. Em 2016, por exemplo, Hillary Clinton somou 48% do voto popular, mas Trump, com 46%, foi eleito após triunfar em estados-chave no colégio eleitoral.
De acordo com o mesmo levantamento New York Times/Siena College, Kamala supera ligeiramente Trump em Wisconsin (50% x 47%), Michigan (49% x 47%) e Pensilvânia (49% x 48%). Eles estão empatados (48%) em Nevada, Geórgia, Carolina do Norte e Arizona.
Segundo uma pesquisa CBS News/YouGov, também realizada entre 3 e 6 de setembro, o equilíbrio é particularmente notável em Michigan (50% a 49% a favor de Kamala), Wisconsin (51% x 49%) e Pensilvânia (50%).