Jogávamos no paralelepípedo.
Quatro destes, ou tijolos, faziam as duas goleiras.
Quando vinha carro, ainda não havia o xópin ali no Jardim Botânico, portanto o trânsito não era tão intenso, parávamos tudo.
O cordão de uma calçada era a linha lateral, a calçada do meu prédio, onde havia um dono do gramado de jardim da frente (milico…) que, caso a bola caísse no “seu campinho”, confiscava a nossa bola, e do outro lado a calçada era livre, pois havia um estacionamento.
O problema? Cair a bola dentro do estacionamento, sobre o muro pichado. Uma vez a minha bola foi pega pelo Barrigudão com bigodão, tipo Leôncio do Pica-Pau, porém mais mal.
Ficamos só olhando ele vir da outra saída do estacionamento, no lado oposto do quarteirão, na Barão do Amazonas. Lento, pesado e mal com um facão na mão e o suor escorrendo, prazeroso em sair de sua preguiça de verão do início da apática década de 1990, Zona Leste de Porto Alegre, onde a vila dos famintos e traficantes, os proletários e alguns pequeno burgueses metidos à besta se reuniam, mais para o futebol, a cachaça e o churrasco do que para a mediocridade… Creio que pelo laço que todos tomaram, de alguma maneira, da ditadura, que tinha seus resquícios, e tem até hoje, e agora revigorados pela sanha fascista…
O Leôncio pegou a minha bola branca e azul e sumiu com ela…
O falecido Rodrigo, que Deus o tenha, ficou implorando para a Dona do Leôncio atrás da grade, atrás do muro, pela bola… Quanto tempo durou aquilo?
De repente, como um milagre, ela trouxe a nossa estimada com um pequeno rasgão no couro, junto ao ventil… Ainda tinha como jogar com ela…
E teve a vez que ela foi parar no Riacho Ipiranga. Foi uma operação difícil. Juntamos galhos sujos parados no barrando do riacho pelas cheias que a chuva trazia. Era um fedorão, especialmente nos domingos de verão. Mas sempre tinha um mais corajoso para, não conseguindo com os galhos, enfiar a perna, se esticar e pegar a bola.
Roçávamos a bola no gramado do Seu Davi e voltávamos à arena com o Rodrigo gritando: “Do pescoço pra baixo é canela!”
Era assim que caía o sol nos domingos de Porto Alegre, na década de 1990, por aquelas bandas…
Por: João Cony – escritor portoalegrense