Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil afirma que a prática se tornou insustentável economicamente
O aumento no volume de incêndios durante a seca que se apresenta como a pior da história do Brasil reacendeu o debate sobre a prática de queimada como solução no manejo agrícola. Um dos setores mais afetados pelo fogo é o da cana-de-açúcar, que segundo a Orplana (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil), já acumula um prejuízo de R$ 1,2 bilhão.
O uso das queimadas foi consistente na cadeia produtiva da cana-de-açúcar por cerca de 20 anos e o cenário dos incêndios no país em agosto e em setembro colocou o setor nos holofotes. Contudo, os produtores afirmam que a prática foi abolida na década passada, especialmente por ter se mostrado pouco vantajosa economicamente.
Ao Poder360, o CEO da Orplana, José Guilherme Nogueira, declarou que as queimadas foram introduzidas no país a partir de 1987, quando estudos científicos indicavam que a queima da cana era algo positivo, principalmente na colheita –que era feita de forma manual. Essa prática continuou firme até meados de 2004, quando a chegada de maquinários agrícolas e a descoberta de propriedades da biomassa da cana enterraram a ideia.
Nogueira disse que, a partir do momento em que todos os componentes da cana-de-açúcar passaram a ser aproveitados, as queimadas se tornaram inviáveis economicamente. Segundo o executivo, queimar a cana resulta em uma perda de cerca de 50% do valor da produção.
“Claro que a cana crua é 10.000 vezes melhor que a cana queimada porque você consegue usar toda aquela biomassa para fazer bioeletricidade, etanol de 2ª geração, você aumenta o volume de massa para conseguir a cogeração nas usinas. Ninguém quer perder nada, nem uma folha. Isso tudo é dinheiro”, disse.
O CEO da Orplana afirmou que o avanço tecnológico fez com que a prática fosse sendo abolida ao longo do período de 2005 a 2010, quando os produtores conseguiram realizar uma transição economicamente viável para a colheita mecânica. Segundo Nogueira, as queimadas foram extintas no Centro-Sul do país e que a prática só em observada em algumas áreas de Pernambuco e de Alagoas que apresentam um terreno irregular que dificulta o acesso de tratores e outras máquinas. Mesmo nesses locais, os governos estaduais trabalham para mitigar a prática.
“No Centro-Sul sim [foi extinto], ainda existem algumas queimas controladas no Nordeste, mas só em áreas muito declivosas, próximas a Pernambuco e Alagoas, mas os governos dos Estados já decretaram que querem acabar com isso para sempre. Só pode em áreas muito declivosas que não chega trator ou máquinas para a colheita. No resto do Brasil não existe mais até porque é muito mais caro colher com pessoas”, disse.
Nogueira afirmou que o fim das queimadas foi uma conquista econômica e ambiental. Com a permissão da União ao longo de toda década de 90 e início dos anos 2000, a prática não era feita de forma descontrolada e era regida para proteger as áreas ao redor. Por exemplo, as queimadas não podiam ser realizadas em condições de umidade abaixo de 15% e com ventos fortes.
Apesar de, segundo o CEO da entidade, não ser mais recorrente, o setor ainda é associado à prática. Na 2ª feira (16.set), a Orplana divulgou uma nota de repúdio a uma declaração da coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Luciana Gatti, que atribuiu as queimadas ao setor sucroenergético.
“Com a máxima ênfase, a Orplana reitera que toda a cadeia de produção da cana-de-açúcar está firmemente comprometida com a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente. Este compromisso é evidenciado pelo rigoroso cumprimento das diretrizes estabelecidas pelo Protocolo Agroambiental – Etanol Mais Verde, que inclui a proibição do uso de fogo na colheita de cana no Estado de São Paulo desde 2017”, diz o comunicado. Leia a íntegra (PDF – 61 kB).
O Poder360 procurou a cientista por meio de e-mail da profissional e pela assessoria do Inpe na 3ª feira (17.set) e nesta 4ª feira (18.set), para perguntar se gostaria de se manifestar a respeito da nota de repúdio. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado caso uma manifestação seja enviada a este jornal digital.