Estudo mostra que a medida mais dura resulta em mais aprendizado; bolsonaristas defendem veto parcial do aparelho
Há um levante mundial para banir os celulares das escolas. De Seul a Quixeramobim, de Amsterdam a Miami, do Rio a Calcutá, todos os educadores só falam dos efeitos deletérios para o aprendizado e socialização que crianças e adolescentes experimentam quando se permite o uso de celulares nas salas de aula e nos intervalos.
Por uma sorte do destino, o Brasil também faz parte dessa onda –digo sorte porque já tivemos o azar de ter uma Lei de Informática que tornava proibitivo a compra de microcomputadores, o que representou um atraso de anos para os jovens brasileiros.
O governo federal e a Câmara dos Deputados disputam quem vai sair na frente nessa corrida, o que é um bom sinal –mostra que estão minimamente atentos aos debates que atravessam o globo.
Há 2 efeitos imediatos do banimento, segundo pesquisas e observações feitas na Holanda, na França e nos Estados Unidos:
- as aulas sofrem menos interrupções desnecessárias;
- os alunos voltam a conversar e a brincar uns com os outros. Enfim, acaba a degradação social.
Efeito imediato significa exatamente isso, segundo um diretor de uma escola holandesa entrevistado pelo jornal inglês The Guardian: o antigo mundo de algazarra volta aos intervalos no dia seguinte ao banimento. Com o celular, era uma tristeza, segundo ele: os corredores ficavam tomados de alunos olhando para as telas dos seus celulares, as mesas de tênis e as quadras de esporte ficavam vazias e não havia conversas, praticamente. Parece uma caricatura, mas acho que é assim mesmo.
Não é só o celular que provoca mutismo onde antes havia vida e farra. Os tablets e os relógios inteligentes também estão sendo banidos das classes pelos mesmos motivos do celular: eles aniquilam o convívio e atrapalham a concentração nos estudos.
A França foi um dos primeiros países a banir o celular: a medida virou lei federal em 2018. A proibição era para alunos menores de 15 anos e só atingia as classes; nos intervalos, todos podiam usar. Com o acúmulo de experiência, o Ministério da Educação francês resolveu fazer agora um experimento em 200 escolas, nas quais o celular é proibido inclusive nos intervalos.
Uma das descobertas que impulsionou o experimento é que o celular estimula a prática de bullying, segundo Nicole Belloubet, ministra da Educação que deixou o cargo na semana passada. “Muito bullying acontece por causa do uso do celular, inclusive em escolas em que ele é proibido, teoricamente”, disse no começo deste mês à rádio France Inter.
A experiência francesa acaba em janeiro de 2025 e pode ajudar o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) a resolver a sua dúvida sobre se o banimento deve ser total ou parcial. Nikolas preside a Comissão de Educação da Câmara que discute a proibição e, como bom bolsonarista, é contra o banimento total, seguindo uma tendência ultraliberal e trumpista de que nenhum veto é bem-vindo.
A proposta de banimento total foi apresentada à Câmara em 2015 e ficou dormitando na comissão até o governo Lula anunciar que iria apresentar um projeto para vetar o uso de celulares nas escolas, sem dar mais detalhes de como seria o projeto –ele deve ser apresentado no próximo mês. Foi o que bastou para que a comissão acordasse.
Um dos projetos, do deputado Diego Garcia, veta celulares e tablets nos primeiros anos do ensino fundamental e permite um uso controlado nos últimos anos do fundamental e no ensino médio. Uso controlado, na visão do deputado, é quando o celular é usado para atividades pedagógicas.
Há algumas evidências de que esse uso controlado não funciona. A tentação de dar uma olhadinha nas redes sociais é mais forte do que a disciplina. Um estudo (PDF – 391 kB) feito por 2 economistas da London School of Economics, Richard Murphy e Louis-Philippe Beland, mostrou o impacto do banimento na qualidade da educação.
Segundo eles, a proibição do celular nas escolas tem o mesmo impacto que se estudasse uma hora a mais por semana ou 5 dias a mais no ano escolar. O celular é particularmente perverso com os alunos mais atrasados, de acordo com os pesquisadores.
Eles avaliaram o desempenho num teste que os estudantes ingleses fazem aos 16 anos. Notaram que sem celular o desempenho crescia 6,4% na média. Dentre os alunos de baixo rendimento, o salto nos exames era maior, de 14%. Os resultados sugerem que os estudantes de pior desempenho se distraem mais com o celular do que aqueles que se aplicam mais.
A pesquisa é de 2015, mas suas conclusões continuam válidas por causa do tamanho da amostra: 130 mil estudantes. Só falta agora os bolsonaristas dizerem que a London School of Economics é esquerdista, rótulo que fazia sentido a essa escola quando foi fundada, em 1895, por socialistas da Fabian Society.