É hora de parar de falar sobre o Oriente Médio estar à beira de uma guerra muito mais séria. Após o devastador ataque israelense que matou o líder do Hezbollah Hassan Nasrallah, parece que a região já foi arrastada para esse cenário.
A série de explosões que atingiram Beirute na noite de sexta-feira (27/9) e na manhã deste sábado (28) foi uma das mais poderosas ouvidas em qualquer uma das guerras do Líbano, me relatou uma amiga que está na cidade.
A morte de Nasrallah foi confirmada pelo Hezbollah em um comunicado, no qual o grupo também prometeu “continuar sua luta” contra Israel e seu apoio contínuo a Gaza e Palestina, defendendo “o Líbano e seu povo firme e honrado”.
Segundo os militares israelenses, outros comandantes do Hezbollah também foram mortos durante o que foi descrito como um “ataque direcionado” à sede do grupo em Dahieh, um subúrbio da capital libanesa.
Mas esse não foi o último bombardeio de Israel na sexta. Os militares israelenses anunciaram que continuariam atacando alvos do Hezbollah e as explosões continuaram na manhã deste sábado, com registros de fumaça no céu de Beirute.
Durante a sexta-feira, antes dos ataques, havia esperanças, embora tênues, de que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu estivesse pelo menos considerando discutir uma proposta de cessar-fogo de 21 dias. Ela veio dos EUA e da França e foi apoiada pelos aliados ocidentais mais significativos de Israel.
Mas em um discurso tipicamente desafiador e por vezes agressivo na Assembleia Geral da ONU em Nova York, Netanyahu não falou sobre diplomacia.
Ele disse que Israel não tinha escolha a não ser lutar contra inimigos selvagens que buscavam sua aniquilação. O Hezbollah seria derrotado — e haveria vitória total sobre o Hamas em Gaza, o que garantiria o retorno dos reféns israelenses, afirmou.
Longe de serem “cordeiros levados ao abate” — uma frase às vezes usada em Israel para se referir ao Holocausto nazista — Israel estava vencendo, disse ainda Netanyahu.
O enorme ataque em Beirute registrado pouco depois de ele terminar seu discurso foi um sinal ainda mais enfático de que uma trégua no Líbano não está na agenda de Israel.
Seria viável que o ataque tivesse sido programado para dar sequência às ameaças de Netanyahu de que Israel poderia, e iria, atingir seus inimigos, onde quer que estivessem.
O Pentágono, o departamento de defesa dos EUA, disse que não recebeu nenhum aviso prévio de Israel sobre o ataque.
Uma foto divulgada pelo gabinete do primeiro-ministro em Jerusalém mostrou Netanyahu cercado por equipamentos de comunicação no que parecia ser seu hotel na cidade de Nova York. Segundo a legenda da imagem, trata-se do momento em que ele autorizou o ataque a Beirute.
O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, defendeu as soluções para o Oriente Médio nas quais vem trabalhando por meses. Ele disse que ainda havia espaço para negociação – uma afirmação que parece vazia.
Os americanos têm poucas vantagens para usar contra qualquer um dos lados dessa disputa.
Eles não podem, por lei, falar com o Hezbollah e o Hamas, pois classificam os grupos como organizações terroristas estrangeiras. Com as eleições nos EUA a apenas algumas semanas de distância, a Casa Branca está ainda menos propensa a pressionar Israel do que no ano passado.
Vozes poderosas no governo e no Exército de Israel já queriam ter atacado o Hezbollah nos dias após os ataques do Hamas em outubro de 2023. Eles argumentaram que poderiam dar um golpe decisivo em seus inimigos no Líbano.
Os americanos os persuadiram a não seguir esse caminho naquele momento, argumentando que os problemas que tal ação poderia causar na região compensavam qualquer benefício potencial de segurança para Israel.
Mas, no decorrer do último ano, Netanyahu adquiriu o hábito de desafiar os desejos do presidente Joe Biden sobre a maneira como Israel deve atuar no conflito.
Apesar de fornecer a Israel as aeronaves e bombas usadas no ataque a Beirute, o presidente Biden e sua equipe foram meros espectadores de tudo que aconteceu.
A política do líder americano no último ano, como um apoiador vitalício de Israel, foi tentar influenciar Netanyahu mostrando solidariedade e apoio, entregando armas e proteção diplomática.
Biden acreditava que poderia persuadir Netanyahu não apenas a mudar a maneira como Israel estava agindo — o presidente americano disse repetidas vezes que o país estava impondo muito sofrimento e matando muitos civis palestinos — mas a aceitar um plano americano para o futuro que se baseava na criação de um Estado palestino independente ao lado de Israel.
Netanyahu rejeitou a ideia de imediato e ignorou o conselho de Joe Biden.
Após o ataque a Beirute, Blinken repetiu seu argumento de que uma combinação entre dissuasão e diplomacia havia evitado uma guerra mais ampla no Oriente Médio. Mas, à medida que os eventos fogem do controle dos EUA, ele está cada vez menos convincente.
Grandes decisões estão por vir. Primeiro, com ou sem Nasrallah, o Hezbollah terá que decidir como usar seu arsenal de armas restante. Eles tentarão organizar um ataque muito mais pesado contra Israel? O grupo pode entender que, se não usar seus foguetes e mísseis que ainda estão armazenados, Israel vai causar ainda mais destruição do seu lado da fronteira.
Os israelenses também devem tomar decisões com consequências importantes. Já se fala sobre uma operação terrestre contra o Líbano e, embora ainda não tenha mobilizado todas as reservas de que pode precisar, uma invasão está na agenda de Israel.
E alguns no Líbano acreditam que, no caso de uma guerra terrestre, o Hezbollah poderia anular algumas das forças militares de Israel.
Diplomatas ocidentais, entre eles os aliados mais fiéis de Israel, esperavam acalmar as coisas, instando Israel a aceitar uma solução diplomática.
Eles agora observarão os eventos com consternação e também com uma sensação de impotência.