Economista assumiu a secretaria em janeiro de 2023 e falou ao Poder360 sobre a situação fiscal do Brasil
O economista Rogério Ceron, 43 anos, está à frente da Secretaria do Tesouro Nacional desde janeiro de 2023. Na 4ª feira (9.out.2024), concedeu entrevista ao Poder360, em seu gabinete, no Ministério da Fazenda, em Brasília.
Ceron falou sobre a situação fiscal do país, a busca pelo equilíbrio das contas públicas e a relação da equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o BC (Banco Central).
O secretário do Tesouro também comentou pontos do Orçamento de 2025, a trajetória da dívida pública, a dinâmica dos juros no país e a visão do mercado financeiro sobre as ações da Fazenda.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Poder360: O crescimento da economia vem surpreendendo e a taxa de desemprego está em nível baixo. Como a Fazenda tem enxergado esses resultados?
Ceron: Nosso plano de voo tem funcionado desde o início do projeto de acordo com o planejamento. Eu tenho comentado sobre isso. Nosso plano de voo é chegar em 2026 com o maior ciclo de crescimento econômico da década, com o menor nível de desemprego da nossa história, com o menor ciclo de inflação desde o início do Plano Real e com a maior retomada de investimento público e privado da década também.
São objetivos muito agressivos, conjuntamente com o melhor resultado fiscal primário da década no ciclo de governo. Então, eu acho que estamos caminhando bem para esse atingimento. Nós estamos com uma atividade econômica robusta, de forma consistente, quase todos os setores performando muito bem.
O desemprego já está batendo as linhas históricas. Em breve, nós já devemos realmente passar ao mínimo histórico. A inflação, por mais que tenha esse repique em função do clima, das secas e tudo mais, é algo pontual. Você vê que os núcleos estão bem comportados, a inflação de serviços bem comportada. Estamos caminhando para a inflação ficar em regra de 4% ou menos, abaixo de 4%. Em uma média próxima dessa, por um período, por um ciclo de governo, seria o nosso melhor resultado desde o início do Plano Real, que é algo inimaginável.
É muito importante fazer isso com o crescimento, o que significa que o país está em um patamar melhor de fato, fruto de N reformas e tudo mais.
A inflação ficou perto do teto da meta, no acumulado em 12 meses encerrados em setembro. Diante desse cenário, há alguma preocupação de passar essa barreira?
Olha, quem acompanha mais de perto a questão da inflação é a SPE [Secretaria de Política Econômica]. Por coincidência, vi umas declarações do Guilherme [Mello, secretário de Política Econômica] que a SPE ainda está mantendo a projeção de 4,25% para o ano. Há esse choque, é um choque de oferta. Não é algo consistente, que vai permanecer como fator de pressão.
Eu acredito que mesmo com esse choque, deve ficar dentro da meta, ainda fica próximo da banda. Depois isso não traz maiores preocupações, porque não tem um processo de difusão. Se olhar a inflação de serviços, você consegue observar que ela está bem comportada, isso é saudável. Claro, o Banco Central tem o dever de monitorar. Esse é o objetivo do Banco Central, ficar dentro da meta, mas olhando aqui para a SPE, que acompanha, a informação que nós temos mais atualizada é que continua ali a previsão para ficar abaixo da meta.
Uma das maiores questões do Banco Central agora é em relação ao dinheiro esquecido, da metodologia do Tesouro e do Banco Central para a contabilidade do resultado primário. O secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, já disse que ia ter diálogo com o Banco Central em relação a isso. Agora com Gabriel Galípolo presidente, esse diálogo vai ser mais fácil. Quando terá início propriamente?
Olha, primeiro, a gente ficou muito satisfeito, muito feliz de ver um colega de trabalho. Ele foi nosso parceiro aqui, foi secretário-executivo da Fazenda. Ver a sabatina, a aprovação com ampla folga, com um desempenho muito interessante, muito consistente. Ele é um excelente profissional e mostrou isso na sabatina, ficou muito claro. O país ganha muito com isso.
O nosso relacionamento com o Banco Central sempre é bom e construtivo. Essa questão dos recursos esquecidos, eu já comentei sobre isso, mas acho que é bom esclarecer que não é uma iniciativa do Executivo, foi o Congresso Nacional que, como uma forma de compensar a desoneração, escolheu essa medida. Nós escolhemos a MP do PIS/Cofins, o Congresso optou por rejeitá-la e que ele mesmo indicasse uma compensação. Dentre elas, há essa previsão desses recursos não resgatados do sistema financeiro. Isso foi uma escolha do Congresso, e não do Executivo utilizar essa fonte de compensação.
Ela tem muito mais importância do ponto de vista do acordo no STF [Supremo Tribunal Federal] do que para fins dessa discussão, se ele é primário ou não até porque o mérito dela não importa tanto. No fundo, o resultado fiscal, quando atua positivamente, ele afeta a dívida líquida no sentido de reduzi-la. O ingresso desse recurso vai ter esse efeito de reduzir a dívida líquida. Então, se não estiver for no primário, acho que é o menor dos pontos. Hoje, como está a previsão na legislação, ele vai ter que ser registrado para fim de cumprimento da meta, embora o Banco Central possa registrá-lo ou não como receita primária.
No passado, até já registrou operações semelhantes como primário, mas isso é uma decisão do Banco Central. A gente está em diálogo com eles, mas não é uma questão maior ou muito relevante para a gente.
Mas isso para o mercado, secretário, cria um ponto de atenção. Cria uma certa volatilidade.
De novo, isso foi uma decisão do Congresso Nacional. Eu compreendo a inquietude, ‘isso me estranha’, etc. Mas, de novo, estamos falando ali 1º de um montante, na minha memória, pequeno. Não vai ter nenhum recurso recorrente para fins de um acordo que é complexo, que é a questão da compensação. E foi o que o Congresso decidiu como constar como registro.
O Banco Central não necessariamente terá que registrar aquilo lá como uma receita primária, mas para fins da meta ele será considerado para ver se cumpre ou não o resultado primário. Nossa expectativa é que, independente desse recurso, a gente vai cumprir a meta primária de qualquer forma, mas ele é essencial para fins de cumprimento da compensação. Então, são duas questões muito distintas.
O nosso olhar é: de fato, ele precisa ter um montante que compense para poder não ter a reoneração integral imediata. Esse é o acordo do STF. Pode, sim, ter uma renúncia tributária, mas ela precisa ser compensada. Essa é a grande discussão.
Pela discussão com o Banco Central, esse problema está se encaminhando para encerrar como? Vão chegar no Banco Central e definir uma solução ou isso vai ser via STF (Supremo Tribunal Federal)?
Não sei se vai ter necessidade de uma chancela judicial quanto a essa discussão. E a gente não tem uma solução. Está em diálogo ainda. O acordo nem saiu ainda, a chancela final é do acordo de compensação. Precisamos ainda aguardar para ver o desdobramento.
A gente está bem alinhado. Não tem nenhuma divergência, em termos técnicos, dos caminhos que são possíveis. É mais uma questão de aguardar um pouco o STF fechar o acordo para a gente se posicionar de uma forma mais clara de como vai ser o operacional, como vão ser os registros para fins de estatísticas fiscais, mas tudo isso vai ser feito com transparência, informando, explicando.
Estamos dando cumprimento a uma decisão que o Congresso tomou. Não é uma iniciativa do Ministério da Fazenda, do Tesouro. Não se trata disso.
Sobre o plano de redação em relação ao que se buscaria de todos os recursos esquecidos: já tem solução para isso? Será uma MP, um projeto de lei?
A PGFN [Procuradoria Geral da Fazenda Nacional] avaliou isso, tem algumas considerações. De fato, há uma dúvida sobre a abrangência. Talvez a redação não tenha sido a melhor para o objetivo que foi almejado pelo Congresso Nacional naquele momento. Então, para materializar aquele montante, atualmente, a PGFN está olhando os caminhos, se é necessário fazer alguma alteração legal, se for uma alteração bem simples ou se não é possível fazer uma interpretação, ou via ato infralegal fazer um entendimento de uma abrangência um pouco maior em relação a esse assunto.
Não tem uma decisão final sobre qual é o instrumento. Há uma dúvida, de fato, e a PGFN está avaliando junto com outras áreas de governo se é suficiente ou se precisa de algum ajuste. Não posso adiantar, porque é uma matéria que está com eles, mas há uma discussão sobre isso.
Voltando sobre a questão da meta fiscal. O senhor já disse publicamente que na mesa do Ministério da Fazenda há sempre várias opções de medidas para aumentar a arrecadação. Qual está sendo mais avaliada agora? Se não uma medida específica, algum problema tributário, como já foi feito várias vezes, para corrigir distorções que a fazenda está de olho agora?
Então, essas medidas sempre são difíceis. Você não pode antecipar um pouco o que está pensando, porque, obviamente, se você faz uma medida, por exemplo, de redução de gasto tributário, alguém está se beneficiando desse gasto tributário e faz parte do processo legítimo e democrático, vai atuar. Em geral, tenta atuar para manter aquele privilégio, aquele benefício.
Com as suas razões legítimas ou não, ele vai tentar explicar que aquilo é importante de alguma forma. Então, sempre essa antecipação é complexa. Não dá para dar muito detalhe de onde vem.
Nós temos um planejamento, vai ter um plano de voo e nós temos ali os cenários. Se for necessário, eu preciso entrar com essa medida, com essa outra, para garantir aqueles objetivos. Isso a gente tem preparado, em caso de necessidade. A gente não tem atuado em aumento de imposto. A gente tem feito sempre uma atuação no sentido de combater distorções, renúncias, gastos tributários que nos parecem inadequados ou que perderam o objeto.
E há alguma distorção que a Fazenda está de olho, especificamente?
Há um monte no sistema tributário nosso. Há muitos avanços a serem feitos. Acho que nós avançamos muito, avançamos muito nesse diálogo de corrigir [distorções]. A própria ministra Simone Tebet [Planejamento e Orçamento] hoje falou um pouquinho sobre isso, a importância de criar um pacto para a redução dessas renúncias tributárias para frente, como uma transição.
A própria Constituição prevê isso. A sociedade já sinalizou, via Constituição, que precisa fazer essa redução. Esse processo precisa seguir em frente. Claro, tem que ter o momento certo de cada anúncio, de cada discussão. Não dá para fazer tudo e todas as coisas ao mesmo tempo, mas precisa ser feito.
Porque é um gasto tributário, ele beneficia alguém, cria uma distorção competitiva, privilegia um setor em detrimento de outro. A carga tributária é um esforço da sociedade que retorna para a sociedade. O governo federal não gera lucro, ele tem que receber e devolver para a sociedade. Quando cria uma parte e não contribui tanto e a outra tem que contribuir mais. Isso cria diferenças.
Quanto mais linear for, isso daí é consensual. Quanto mais uniforme for, menos distorções gera, menos efeitos, ineficiências. Entre o teórico perfeito e a vida real, tem ali um balanço.
O nosso é muito desbalanceado ainda. Há muitos benefícios tributários que ainda precisam de um olhar mais sereno, seja pela sua manutenção, pela sua intensidade. Esses gastos tributários deveriam ter período, ter prazo de vigência.
O Brasil tem essa característica de introduzir algo emergencial, algo temporário que depois ele se torna permanente. Tem muita dificuldade de retirar esses benefícios. Isso aconteceu em várias das discussões. A questão da reoneração da folha: algo que era para ser emergencial para a manutenção de emprego, está há uma década sendo renovado e agora finalmente a gente conseguiu criar ali pelo menos um ‘phase out’ [eliminação gradual] desse processo.
Aconteceu algo semelhante com o Perse [Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos], que também foi criado na pandemia, para a pandemia, e hoje nós temos aqui uma situação também com o processo de saída. É muito difícil porque os setores querem tornar permanente. Isso não é real para todos, obviamente, mas sempre há movimentos de querer perpetuar um benefício que gera, obviamente, um grande valor, mas desequilibra a sociedade.
É nosso dever atuar e tentar reduzir essas distorções ao longo do tempo.
Surgiu a informação de que o governo espera, com automatização a partir da reforma tributária da cobrança de impostos, evitar R$ 150 bilhões em sonegação. Esse número não está inflado?
Não conheço o estudo. Então, não consigo falar, mas o Daniel Loria é um dos maiores especialistas que eu já vi na área tributária. Se ele mencionou –não sei se foi ele, de fato, que deu a declaração–, certamente tem um estudo ali por trás que embase, de forma consistente, mas eu não tenho conhecimento
O senhor falou da MP que o Congresso rejeitou. Que, na verdade, a intenção de financiar a desoneração não era com essas medidas do Senado. O senhor falou que já avançou bastante essa questão de revisão dos benefícios tributários e outras irregularidades. Agora, será que o governo não bateu em uma barreira no Congresso e agora precisa fazer o ajuste fiscal mais pelo lado da despesa? Não está faltando esse dever de casa?
Eu não diria barreira. Acho que há uma cobrança, ou uma inquietude em relação à dinâmica das despesas. Porque também me parece que no final do dia, a grande preocupação é que é preciso recuperar a base fiscal para poder equilibrar novamente. Mas se a dinâmica das despesas não tiver um ritmo que caiba dentro do arcabouço, especialmente as obrigatórias, esse processo não tem fim. Porque começa cada vez que você pressiona. Daqui a pouco vai ter que aumentar mais o limite de gastos e não tem nunca receita o suficiente e isso gera um processo sem fim.
Acho que talvez um pouco do diálogo ou um pouco da inquietude do mercado –que se reflete em alguma forma que na sociedade, representada pelo Congresso Nacional– é talvez um balanço também em medidas que garantam que essas dinâmicas de despesas sejam sustentáveis no tempo.
Não vejo como uma barreira. Mas, olha, precisa agora completar o ciclo. E já comentei sobre isso. Na coletiva falei um pouquinho: acho mesmo que a gente está diante de uma oportunidade que o país não pode perder. Não se trata de governo, do Executivo. O país não pode perder. A gente tem condições de recuperar num horizonte de 12 a 18 meses o grau de investimento para o país. O país não pode perder essa oportunidade.
Nesse 1º movimento de recuperação fiscal, houve um compromisso muito grande entre os Poderes, o Judiciário, o Legislativo, em apoiar uma agenda de Estado. Compreendo que a agenda econômica é de Estado, não de governo. O país precisa recuperar o fiscal. Nós estamos muito próximos, precisamos muito pouco.
Se a gente conseguir adotar as medidas, fazer esse diálogo com a sociedade e ter um conjunto de medidas que mostrem para a sociedade que a dinâmica de despesas vai ter ser sustentável dentro das regras do arcabouço. E que nós temos uma recuperação de receita que vai trazer esse equilíbrio e, pouco a pouco, a geração dos superavits que vão permitir a estabilização da trajetória da dívida. ‘O país virou a página, recuperou o grau de investimento, que é fantástico’. É uma oportunidade que nós não podemos perder. Isso é muito importante.
E é nosso dever, e vou fazer isso o tempo todo. Falava isso desde o dia que eu cheguei aqui. A 1ª vez que eu falei sobre isso. Que o país tinha condições de recuperar o grau de investimento. Sempre, claro, muita gente cética quanto à viabilidade ou não disso. Agora é real. Está muito claro. Basta nós conseguirmos adotar as medidas necessárias para dar essa visão de sustentabilidade que o grau de investimento virá. É nosso dever conscientizar não só o governo, mas a sociedade, os Poderes, de quão benéfico é retomar o grau de investimento e quão perto nós estamos. Falta muito pouco. E não tem porque o país não aproveitar essa oportunidade. E o país ganha. Independente de governos, é uma medida de Estado. O país ganha.
O país ganha muito. As empresas ganham. Essa mudança da Moody’s fez com que a nota de muitas empresas automaticamente subisse. Porque elas ficam limitadas pelo rating soberano. Isso reduz custos de crédito para essas empresas e captações internacionais. É muito benéfico para todo mundo. Não só para a digestão da dívida. Muitas vezes as pessoas acham que isso só beneficia. Atrai investimento produtivo, atrai investimento financeiro, torna mais fácil as empresas, as companhias domésticas, captarem recursos. Então, é algo que a gente realmente precisa se mobilizar e fazer acontecer.
O senhor, então, avalia que as medidas do lado da despesa estão tímidas até então?
Não colocaria adjetivos na adoção. Acho que tem estágios. Um 1º estágio de medidas que envolvem ações administrativas para reduzir ali alguns beneficiários que eram inelegíveis, algumas fraudes. Está sendo conduzido. Agora acho que tem que ser feito um esforço de um olhar mais consistente –está sendo feito– se é necessário medidas mais robustas para garantir essa dinâmica.
Evito [adjetivar] porque é incorreto e o país não precisa tratar isso como um corte de gasto. Precisa garantir que tem uma dinâmica dessas despesas de uma forma sustentável. Não precisa acabar com políticas sociais, políticas públicas que são importantes. Precisa adequar as dinâmicas para que elas sejam sustentáveis. Se ficar claro isso, está resolvido. O próprio arcabouço vai cumprindo o seu papel, vai abrindo e melhorando o resultado fiscal naturalmente ano após ano. Então esse é o desafio.
O mercado, em alguma medida, tem um grau de incerteza, tem uma preocupação, porque fica preocupado se essa dinâmica vai ser sustentável, se não vai ter necessidade de romper o arcabouço fiscal em algum momento. Isso seria terrível para o país. Se a gente conseguir adotando as medidas adequadas, garantir, sinalizar para a sociedade, ter essa compreensão de que é crível, sim, o cumprimento de todos esses regramentos, acabou, o país recupera o grau de investimento, a gente continua crescendo de forma sustentável, como está acontecendo, e todo mundo ganha. Continua com o desemprego baixo, renda das famílias crescendo e o país seguindo cada vez mais, estabilizando a dívida, começando o processo de redução e seguimos em frente. Está muito próximo.
Mas como lidar com esse ritmo de crescimento de despesas obrigatórias tão voraz? Principalmente porque algumas medidas podem ser impopulares. O governo está disposto a fazer esse tipo de revisão?
Tudo tem que ser bem explicado. A sociedade compreende. Nós adotamos muitas medidas que podem ser consideradas impopulares, por exemplo, pelo lado do combate do gasto tributário. Mas fomos a público, explicamos, batalhamos e vencemos. Prefiro explicar: olha, faz sentido. Vai ser bom. Para o país, vai ser bom. Esse benefício talvez não faz mais sentido. Está diferente.
Também com um diálogo honesto, transparente. Tem que ir preparando a sociedade para alguns ajustes. Isso é natural. Se você pensar a Reforma da Previdência, eu comento sobre isso, levou uma década para acontecer. Foi preparando a sociedade, foi tentando, até que ela ganhou maturidade e o Congresso abraçou. Foi uma grande reforma que não foi feita pelo governo, foi feita pelo Congresso. O Congresso abraçou, encampou e fez acontecer. Assim como o Congresso encampou a reforma tributária e fez acontecer. Então, acho que a gente está muito próximo de alguma coisa semelhante.
E olhar agora esse grande impacto em prol da recuperação do grau de investimento, acho que é a discussão adequada, o momento adequado para fazermos mais um grande esforço de sociedade, o Congresso abraçando, o Judiciário do nosso lado, a sociedade apoiando e fazer um último movimento consistente que nos garanta a recuperação do grau de investimento.
O senhor e outros colegas da equipe econômica apresentaram as medidas de sustentabilidade da despesa. Disse que teria 4 eixos e foi detalhado só 1, que foi considerado menos robusto. Quando que a gente vai ter efetivamente os outros eixos detalhados?
A gente tem um conjunto de medidas estruturais que estão em gestação, preparadas e no momento certo vai ter o processo decisório. O presidente da República precisa validar todas as medidas e em algum momento dentro de uma análise político-institucional, estratégica, serão anunciadas. Eu não consigo dizer quando, mas o que eu estou querendo trazer é que nós precisamos de fato garantir essa trajetória sustentável. Não é difícil fazer isso. Acho que nós estamos muito próximos e vai trazer um benefício muito grande para a sociedade.
Não é um fim em si mesmo, é um fim ao fazer essa sinalização à sociedade. O Brasil vai ter o grau de investimento chegando no horizonte de 12 meses, 18 meses, e isso vai fazer uma diferença brutal. Se todo mundo se conscientizar, se todo mundo der uma pequena contribuição, isso acontece. Com pouco esforço, o país chega lá. Quanto aos tempos e movimentos, vai depender dessa pactuação com a sociedade. De quando, com o Congresso Nacional, com o Judiciário, haverá o momento certo de fazer esse movimento e consolidar esse processo de consolidação fiscal. Garantir que isso vai funcionar.
E como está a adesão? Está só na equipe econômica ou o senhor já conversou com o restante do governo e o Congresso?
Não há ninguém no país que não deveria ficar muito feliz com uma agência de ‘rating’ ter elevado a nota do Brasil. Não há nenhum brasileiro que não queira e não será beneficiado, a não ser aqueles que torcem contra o país –que eu imagino que não seja ninguém–, com o grau de investimento. Todo mundo entende o grau de investimento. A maior parte das pessoas entende. É nosso dever explicar para as que não entendem ainda o benefício, se existe alguém que tenha dúvida quanto a isso. Mas é uma compreensão generalizada do benefício do grau.
O governo atual está ciente de que tem que aproveitar essa oportunidade. Isso cria um alinhamento para que todo mundo aja de forma coerente e juntos para atingir esse objetivo, o Congresso Nacional com certeza também entende a importância. É parte desse movimento, a gente só conseguiu chegar até aqui por conta do apoio do Congresso, e também o Congresso com certeza vai estar à disposição para construir uma agenda de Estado que permita o país recuperar o grau de investimento.
A IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado disse no relatório que as receitas do Orçamento 2025 estão superestimadas em R$ 87 bilhões e os gastos subestimados em R$ 19,2 bilhões. Como está a conversa com o Congresso Nacional para fazer os ajustes no Orçamento? Qual é o ajuste no Orçamento 2025 possível?
Eu não comento as estimativas de outras instituições, sejam elas privadas, públicas, mas a gente está atento. A gente sempre foi claro que no processo de elaboração do Ploa [Projeto de Lei Orçamentária Anual] tinha alguns desafios em função da própria discussão do curso da compensação da desoneração. Agora, é a hora de ser feita essa reavaliação, de grade de parâmetros e tudo mais. Se tiver necessidade de fazer algum ajuste, será feito, mas por ora não tem nenhuma decisão tomada quanto a esse assunto.
O senhor não acha que esse Orçamento deixou mais dúvidas que certezas?
Eu acredito que não. O ano passado foi similar para pior essa desconfiança em relação ao Orçamento. Nós mostramos ao longo do ano que nós conseguimos avançar e ir corrigindo rotas daquilo que não performou como a gente esperava, com muita naturalidade. Estimativas, tanto do setor público quanto do setor privado, costumam errar. Sempre há um grau de variação que faz parte do processo. O importante é você responder a ele, isso faz parte da gestão orçamentária e financeira. Não tem nada de atípico ou diferente nisso. Faz parte do processo. Eu não vejo dificuldades. Se tiver que ajustar, vamos ajustar. Se achamos que está adequado e depois se mostrar que na prática não está, a gente vai adotar as medidas para corrigir, como a gente fez esse ano. Então acho que não preocupa muito não.
Uma coisa a se perguntar é sobre o Auxílio Gás. Como está o redesenho deste programa?
Não tenho informação se houve ou não discussões sobre isso. Da nossa parte, contribuições já foram feitas, acho que há opções na mesa que, na nossa visão, retiram a inquietude do mercado em relação a esse assunto. Agora, é mais um processo do ministro [Fernando Haddad] com os demais ministros envolvidos despacharem o assunto com o presidente e escolherem o melhor caminho. Mas acho que vai ter um final positivo.
O senhor pode falar em algumas medidas que estão em desenho?
Infelizmente, ainda não. O que posso dizer é que as propostas de aprimoramento visam a retirar essa inquietude que surgiu em relação a esse assunto. Esperamos que seja um final positivo.
E sobre a Selic: haverá um novo ciclo de altas na taxa básica de juros, como o próprio Banco Central já indicou. Como o governo se prepara para lidar com o impacto disso na dívida pública? Na sabatina de Gabriel Galípolo no Senado, inclusive, houve senador que perguntou para o próximo presidente da autoridade monetária se não seria o caso de desindexar a Selic da dívida pública.
É uma discussão complexa. Depende um pouco também das características do país, da poupança que aquele país tem. Mas quanto mais desatrelar a política monetária da gestão da dívida, melhor. De outra forma, quanto mais a composição da dívida for atrelada a títulos pré-fixados, a índices de preços, desvinculada da taxa de curto prazo que o Banco Central utiliza para regular o mercado e atingir os objetivos do processo inflacionário, melhor. Isso é saudável.
Muitos países têm uma característica de ter uma base de prefixados muito maior. É o que a gente sempre fala lá no PAF [Plano Anual de Financiamento], de buscar o nosso objetivo de médio e longo prazo e ter uma composição mais saudável. Isso é um processo que envolve aprimoramentos macroeconômicos, etc. Até lá, vamos trabalhando da forma mais eficiente na gestão da dívida. O processo da política monetária faz parte. Há ciclos de alta e depois ciclos de baixa. Não será um movimento de alta permanente. Daqui a pouco ele para, vai convergir às expectativas.
Mas mesmo que caiam, os juros ainda são altos.
Os juros estão altos. O país tem uma taxa de juros real alta. Nós vamos encontrar os caminhos para reduzir. Há questões. A própria recuperação fiscal é uma medida estrutural. Quanto mais sinalizarmos esse horizonte lá para a frente, melhor. Quando a gente recuperar o grau de investimento, provavelmente a gente tem um fechamento da curva. A gente atrai mais não-residentes.
Há coisas que a gente pode ir fazendo para aprimoramento. Já falei sobre isso, que temos o desejo de integrar o Brasil à plataforma Euroclear para poder tornar mais acessível o mercado de títulos domésticos para outros investidores, em plataformas mais amigáveis, fugir do problema do fuso horário para dar acesso a investidores que trabalham em outros regimes de fuso horário incompatíveis com o nosso, que possam operar títulos públicos.
Tudo isso é saudável, isso aumenta a base de investidores, a base de recursos e, portanto, preço. É um trabalho contínuo a ser feito. Isso não tem a ver com a política monetária de curto prazo. Mas, olhando para a gestão da dívida, concordo com a avaliação de que isso é consensual. Quanto mais desatrelado, melhor.
É um processo que precisa ser criado, precisa de tempo. E a própria recuperação do grau de investimento é um processo importante nisso. Você atrasa mais não-residentes, você vai criando condições. E o não-residente, geralmente, tem mais apetite para títulos mais longos. Costumam trabalhar com fundos de pensão internacionais, etc. Esse é o caminho estrutural que a gente tem que seguir, do qual trilhamos.
O senhor falou que a dívida vai estar estabilizando 82% do PIB (Produto Interno Bruto). O deficit nominal anualizado está a mais de R$ 1 trilhão há 5 meses. É sustentável essa projeção do senhor?
É factível. Sem dúvida é factível. Há uma ampliação do deficit nominal nesse período. Ela ocorre por conta do movimento da política monetária ser mais restritiva. Então, aumentou a taxa de juros real. É maior do que outros períodos recentes, porque a Selic estava em 2% no período da pandemia. Depois, foi a um patamar cavalar de 14%. Leva um tempo para ela impactar completamente a dívida. Passamos por esse momento, desse impacto do custo médio da dívida pública por esse aumento da taxa de juros da Selic, que faz parte. Indexa diretamente 40% da nossa dívida, e indiretamente também. Pode olhar a relação dos prefixados, estão ali. O prazo médio da nossa dívida é relativamente curto. Ela carrega muito. Então, 70% da dívida está, de alguma forma, impactada pela Selic. Isso gera uma pressão.
Agora, quando ela começa o movimento de baixo, isso retorna. Ao longo de 2025, esperamos que tenha condições. O Banco Central sabe fazer o seu trabalho, de ancorar as expectativas, ancorar o processo de inflação para a meta. E aí consegue ter taxas de juros normais, vamos dizer assim, ainda que para os nossos padrões de normalidade. O Brasil tem uma média de taxa de juros real cavalar em relação ao resto do mundo. Sem nenhuma explicação óbvia do porquê de sermos tão diferentes do resto do mundo em relação à taxa de juros real.
Mas mesmo o nosso padrão cultural ou econômico, que gera uma taxa de juros real elevada para a média comparativa com outros países, ainda assim estamos em um período muito fora desse padrão médio. Daqui a pouco a gente retorna e o processo se ancora.
Mas em qual período o senhor espera que se acomode? No 2º trimestre de 2025?
Aí é difícil. Mas acredito que será rápido. A inflação, por mais que tenha esse repique por conta da seca, é algo pontual, algo de oferta. Está mostrando muita consistência nesse processo de acomodação da inflação em um patamar baixo. Isso é o que o país precisa para poder depois, cada vez mais, ter uma taxa de juros menor.
O senhor falou da emissão de títulos, da diversificação. Haverá mais alguma novidade sobre esse assunto?
Olha, tudo que for positivo para permitir e criar condições para melhorar a composição da dívida, o alongamento da dívida, vai ser feito. Há algumas [iniciativas] que estão mais próximas. Há um grande desejo nosso. Sou muito claro. Desde o começo do governo, falo a mesma coisa: nós vamos adotar todas as medidas necessárias para criar um ambiente favorável para atração do não-residente.
Isso é muito saudável, o país já teve mais de 20% da dívida tendo os não-residentes como detentores, e isso é muito saudável para melhorar a composição e o alongamento da dívida. Nós vamos buscar criar condições para esse caminho.
Mas é dentro do plano de transformação ecológica? São emissões de títulos sustentáveis no exterior?
Não sei se ele [o plano] vai ser tão determinante para isso, mas também acho que o mundo vê o país como um grande ‘case’ de transformação ecológica. Ajuda a atrair o interesse e apoiar essa agenda que é tão relevante para o mundo todo. Estamos vendo. Os Estados Unidos provavelmente devem estar vivenciando hoje um evento climático extremo, bem fora da média, dos precedentes. Mostra que o mundo todo precisa de fato se engajar na agenda ambiental, não tem jeito.