Anita Krepp | Importação de cannabis medicinal está em risco

Enquanto Lira quer evitar a taxação, o Sindusfarma tenta influenciar a Anvisa a proibir importação de medicamentos

A via de acesso mais utilizada para os tratamentos de saúde com cannabis medicinal é a importação. Atualmente, de acordo com os dados mais recentes da consultoria Kaya Mind, cerca de 244 mil dos 600 mil pacientes que se tratam com derivados da planta no Brasil importam seus medicamentos com autorização da Anvisa sob as diretrizes da RDC 660.

Muito embora seja possível encontrar algumas formulações nas farmácias e também comprar produtos de cannabis nas mais de 100 associações de pacientes espalhadas pelo país –e sem contar a possibilidade de autocultivo autorizado por via judicial, por meio de habeas corpus– muitos pacientes preferem importar por questões de preço, variedade de produtos e, principalmente, nos casos de patologias que pedem determinados componentes ou doses altas de THC.

Ainda que o acesso via importação seja, incontestavelmente, fundamental para tantas pessoas e também para sustentar um marco regulatório robusto que não à toa colocou o Brasil no top 3 de países de destaque no mundo quando o assunto é uso medicinal da cannabis, o direito da população à importação, ou pelo menos à importação tal qual ela acontece hoje, está em risco. 

E todos os fatores de risco estão ligados a motivações diversas, nenhuma delas têm por objetivo favorecer os pacientes, mas normalmente nascem da disputa por dinheiro e poder.

LIRA FALOU E DISSE

Desde junho, quando foi sancionado o PL 914 de 2024, mais conhecido como “PL das comprinhas”, que instituiu a taxação de produtos importados, paira uma nuvem de insegurança sobre empresários e pacientes de cannabis. Isso porque a nova lei não figura a isenção de imposto de que os medicamentos importados tinham direito. À época, o ministro Alexandre Padilha com exclusividade a esta coluna, se comprometeu a editar uma medida provisória reparando o equívoco do Legislativo.

E, de fato, assim o fez. Em 28 de junho, foi publicada a MP 1.236 de 2024 com alterações do Decreto-Lei 1.804 de 1980 no sentido de garantir a isenção dos medicamentos importados. Só que a efetividade dessa MP deve extrapolar o prazo máximo estabelecido para vigorar, de 120 dias, sem ter sido chancelada pelo Congresso. O prazo vence amanhã, 26 de outubro. 

Com sinais claros de que isso provavelmente fosse acontecer, a Receita Federal convocou na semana passada as empresas importadoras para comunicar que a partir de 2ª feira (28.out.2024), todos os medicamentos importados deixariam de ser isentos de impostos.

Esta coluna, que teve acesso ao conteúdo da reunião, falou com Arthur Lira sobre o receio que crescia nos pacientes de um dia para o outro ser obrigados a pagar, em alguns casos, quase o dobro do valor do remédio para seguir a sua terapia. Outros tantos abandonariam o tratamento. E não estamos falando só em pacientes de cannabis, mas também de outras patologias graves (como o câncer), que dependem de medicamentos importados.

Lira, que havia dado celeridade a assuntos urgentes na semana anterior, e por acaso tinha deixado esse de fora, se comprometeu a transformar a MP em projeto de lei com relatoria de Átila Lira. Os trâmites disso, como se previa, vão extrapolar o prazo e ficarão para o início de novembro, e, garante o presidente da Câmara, durante esse período, a isenção permanece.

ANVISA PRECISA DA POPULAÇÃO, NÃO DO SINDUSFARMA

Esse ataque, digamos, indireto à importação de cannabis, deve ser pacificado com a conversão do MP em lei, afinal, não é do interesse de Lira, Padilha e tampouco Fernando Haddad ser taxado como o cara que dificultou a vida já difícil de pacientes necessitados de medicamentos importados. 

Mas, outro ataque, dessa vez direto, conduzido pelo principal sindicato farmacêutico do país, tem alto potencial de dano ao acesso de cannabis medicinal e aos direitos conquistados até aqui.

O Sindusfarma enviou recentemente à Anvisa um ofício (PDF – 1 MB) solicitando a revogação da RDC 660, justificando o pedido com o argumento de que a norma não cumpre critérios de segurança estabelecidos pela própria agência. Quando na verdade, as próprias empresas admitidas pela RDC rival, a 327 (que define as diretrizes para venda nas farmácias) descumprem critérios da Anvisa, como o de produzir estudos clínicos, coisa que apenas uma das 32 farmacêuticas autorizadas pela 327 fez.

Não surpreende que estapafúrdio pedido tenha partido de uma instituição que tem entre seus associados algumas dessas mesmas farmacêuticas hoje autorizadas a vender maconha nas farmácias. Só algumas poucas farmacêuticas chegam a ter lucro com cannabis. A maioria mesmo anda no vermelho. Por isso, os 44% do mercado medicinal que se concentra na via de importação estão valendo tanto, a ponto de que certas farmacêuticas ajam em oposição ao direito da população à saúde. 

Nelson Mussolini, o próprio presidente do Sindusfarma confirmou, com exclusividade à coluna, que trata-se também de interesse financeiro, já que as empresas de maconha associadas ao sindicato, segundo ele, teriam investido muito dinheiro com o objetivo de produzir estudos científicos. Aqueles mesmos de que ainda não ouvimos falar.

Espera-se que a relação umbilical entre Anvisa e Sindusfarma não interfira no futuro da importação de cannabis, porque o que importa, na verdade, são os resultados dos tratamentos com produtos importados. Como será que as 244 mil pessoas que importam cannabis medicinal estão se sentindo? Como a vida delas têm mudado? Como elas observam a qualidade dos produtos? 

Anvisa, pelo amor de deus, é só mandar umas planilhas –daquelas do Google, mesmo– com perguntinhas básicas para toda a base de pacientes que importam. Não é a farmacêutica que a Anvisa tem que ouvir. É o paciente.

Fonte: Poder 360

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