Com melhorias no texto final, Brasil pode criar um mecanismo robusto indutor de redução de emissões e atrair investimentos
Depois de anos de discussões, o mercado regulado nacional de carbono, enfim, deve nascer. Apesar do atraso, a convergência entre Senado, Câmara e governo é uma ótima notícia para todos aqueles que vêm participando e contribuindo com este debate ao longo do tempo.
Agora, a corrida é para que se aprimore o texto que deve ir à votação no Congresso nos próximos dias. Temos em mãos a oportunidade de aprovar uma legislação moderna e robusta, que seja efetiva para atrair capital e, acima de tudo, mitigar as emissões no Brasil. Afinal, não podemos perder de vista que esta é uma lei econômica, mas com fim ambiental.
O texto atual reconhece a existência de 2 ambientes negociais. Um de comercialização para o mercado de carbono dito voluntário –aquele baseado na produção de créditos de carbono– e outro de criação do mercado dito regulado –aquele baseado na imposição de direitos de emitir carbono (“cotas”) e destinado só aos entes abrangidos no sistema.
São ambientes que coexistem, uma vez que têm objetivos e caminhos complementares e sem um ou outro, a meta de atingir o equilíbrio climático ficará comprometida. Devemos, portanto, ter clareza que não existe um tipo de mercado melhor ou mais importante do que o outro.
Lembramos que à ocasião da assinatura do Acordo de Paris, tratado que trouxe as novas bases da cooperação internacional no campo climático, o envolvimento global de orientação de metas nacionais foi adotado como forma de perseguir os objetivos climáticos desejados.
Na prática, isso significa que todos os Estados signatários da convenção passaram a ter objetivos de redução de emissões. Eles são autodeterminados, sendo informados aos órgãos de controle da convenção por meio de um instrumento chamado NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada).
Destaca-se que a criação de ambientes regulados a nível nacional consiste na materialização do fenômeno da precificação do carbono na economia de um país e em uma política pública, cujo objetivo é atribuir um custo financeiro à emissão de carbono –o que vem compor o conjunto de normativos adotados por um governo para mitigação da mudança do clima, auxiliando na implementação de sua NDC. Trata-se, portanto, de iniciativa impositiva que compõe um conjunto de outras medidas destinadas a reduzir a emissão de setores econômicos determinados.
Já o mercado voluntário, que cresceu significativamente depois da Cúpula de Paris em 2015, vem como consequência da entrada do setor privado nos compromissos climáticos, assumidos de forma não-obrigatória pelas empresas, externos à convenção ou às obrigações dos países. É um “extra” e atinge muitas vezes setores que não sofrerão regulação direta das leis nacionais.
Se o mercado de carbono regulado é um mecanismo de comando e controle, o mercado de carbono voluntário é um mecanismo de atração de capital para atividades que contribuem com a redução dos efeitos adversos das mudanças do clima. Se o mercado de carbono regulado estimula redução de emissões para alguns setores como indústria e energia, o mercado voluntário cria o ambiente para realização de projetos de redução de emissões ou aumento de remoções de carbono em diversos segmentos econômicos, como por exemplo nas áreas agroflorestais, que ainda resultam em benefícios socioambientais.
Portanto, a maneira que o texto cuida da comercialização do crédito de carbono no mercado voluntário pode atrair mais ou menos capital para a estruturação de projetos das chamadas “soluções baseadas na natureza”. E neste ponto, propomos 2 aprimoramentos no texto.
No primeiro, o desenho proposto do sistema de exportação para créditos de carbono que desejam obter autorização da convenção (os chamados ajustes correspondentes) é burocrático, e exige passagem dentro do mercado regulado para ser exportado. Tal passagem não se faz necessária e traz não só um sistema de controle excessivo que a convenção não determina, como também, a possibilidade de cobrança de tributo adicional.
Ambas as consequências tornam nosso crédito que se deseja comercializar na convenção menos competitivo no mercado global. O ideal seria promover uma revisão que preveja a autorização de exportação via Autoridade Nacional Designada, direcionada e fora do mercado regulado, com manutenção só do registro desses créditos no ambiente regulado.
No segundo, merecem atenção os conceitos de Redd+ presentes no texto, que são pouco claros e demandam revisão. Estes devem ter sua delimitação na lei bem realizada, sinalizando ao mundo a intenção do país de apoiar o crescimento de um mercado de carbono voluntário íntegro e pujante, sem amarras à exportação do crédito ou impondo restrições ao crescimento do mercado de atividades de remoção de carbono florestal como a restauração de florestas nativas.
Esses ajustes são determinantes para o equilíbrio da atuação de diferentes atores na cadeia do carbono, o que abrange desenvolvedores, intermediadores e compradores finais. Permitir aos diferentes elos da cadeia coexistir nesse ecossistema, com condições de produção, tributação e comercialização dos créditos e das cotas de carbono de forma virtuosa, será determinante para a perenidade do sistema.
Às vésperas da COP29, que se inicia em 11 de novembro em Baku (Azerbaijão), o momento é ideal para a aprovação da lei. Depois de um longo percurso, enfim, estamos na reta final. Com avanços no texto a ser votado, temos tudo para ultrapassar como vencedores a linha de chegada do PL de carbono, criando um mecanismo sólido, que cumprirá seu papel indutor de redução de emissões e atrairá investimentos, provendo oportunidade de crescimento para a nação. Este será também, um dos passos na construção de uma rota bem-sucedida, que poderá nos dar a base necessária para fazer história na COP30, em Belém.