Vistos com curiosidade e preconceito por quem sabe pouco de sua cultura, os Amish dos Estados Unidos não são tão fechados ou pouco integrados ao resto da sociedade como se imagina. Mas quando o assunto é eleição, eles preferem se reservar ao direito de ficar de fora do tema e – acredite – eles têm um bom motivo para isso.
Para tentar encontrar essa resposta, o Terra visitou uma comunidade em Hamptonville, na Carolina do Norte, onde há casas, comércios e até escola para as crianças.
Os Amish fazem parte de um grupo cristão mais conservador, que mantém tradições de séculos atrás, como ter pouco ou nenhum contato com a tecnologia, utilizar cavalos e carroças como meio de transporte e usar vestimentas típicas.
A comunidade que visitamos, chamada Union Grove, não é isolada do resto da rotina da cidade. Pelo contrário: o maior mercado Amish da região (Shiloh General Store) é tão bem frequentado que, a depender do horário, pode ser difícil encontrar uma vaga para estacionar o carro.
Embora super abertos para conversas, os membros da Union Grove não se deixam filmar ou fotografar, isso porque acreditam que um cristão deve preservar a sua imagem como manda a Bíblia. Mas, eles podem acessar a eletricidade da rede pública da cidade. No mercado, inclusive, há máquinas de cartão para àqueles que não andam com dinheiro em espécie. Algumas tradições, no entanto, são mantidas, como o uso de charretes e roupas tradicionais de comunidades do tipo.
No depósito da loja nós encontramos Josh Graber, um jovem amish que deixou bem claro para a reportagem quando o assunto chegou às eleições americanas: “Nós não votamos”.
Josh nos explicou que, por questões de crenças religiosas, não faz sentido participar das eleições no país. “Eu sei que há algumas pessoas em Lancaster [na Pensilvânia] que votam, mas tradicionalmente os Amish não votam porque nós não nos envolvemos no governo”, iniciou. “Além disso nós somos ‘não-resistentes’, o que significa que não lutamos. Não revidamos. Nós acreditamos em virar a outra face. E se você vota, você está dando poder para um presidente que também é o comandante-chefe do exército, certo? Então, se nós não lutamos, por que importa para nós quem é o comandante-chefe [das Forças Armadas]? Seria muito contraditório”.
Quando perguntando sobre a relação da comunidade com o governo americano, Josh diz que para eles é ótimo que a administração federal conceda isenção fiscal para a igreja da comunidade. “Nós podemos ter nossa própria igreja do jeito que acreditamos. Temos liberdade religiosa e amamos isso, obviamente (…) mas sabemos que há alguns políticos que podem mudar essas coisas para nós, para melhor ou para a pior”. A reportagem bem que tentou saber que políticos seriam esses, mas Josh manteve sua palavra de se manter afastado de assuntos do governo. “Acreditamos que Deus tem um plano. Este mundo vai acabar em algum momento, então tudo o que acontece está nas mãos de Deus. Se ele trouxer isso através de Kamala Harris ou Donald Trump, bom, deixamos nas mãos Dele. Nós não preferimos nenhum deles. Temos uma opinião sobre quem é o mais inteligente? Claro, mas não vou mencionar nomes”, riu.
“Nós acreditamos em orar por quem quer que esteja no poder, e que Deus vai executar seu plano através de quem quer que esteja lá. Deus está no controle, mesmo que pareça que o mundo está de cabeça para baixo”, concluiu o jovem antes de retornar para seus afazeres na loja, cujos produtos mais procurados são pães, produzidos localmente na comunidade Amish, além de doces e geleias.
Poucos metros dali, há outra loja Amish, chamada Wholesome Country Creamery , que vende produtos de laticínios, como leite, iogurte, manteiga, e sorvetes de vários sabores, como chocolate e até framboesa. Lá, porém, só aceitam dinheiro físico. A atendente da loja, que vestia o tradicional vestido e chapéu Amish, não quis alongar muito a conversa, mas só reforçou o que Josh já nos havia dito. “Não, não votamos. Simplesmente não votamos. Não faz parte da nossa crença religiosa isso”.
Na mesma quadra, uma placa com uma charrete como as que o Amish utilizam para se locomover sinaliza outro comércio da comunidade. No caso, uma loja de móveis, cujo nome é Home Acres. Lá, conversamos com o dono do negócio que preferiu não se identificar, mas aceitou conversar e falou um pouco do histórico do grupo religioso e seu posicionamento atual sobre corridas eleitorais.
“No passado, a Igreja Católica era conectada com o Estado. Dai tivemos essa separação [dos católicos] porque não acreditamos que são coisas que caminham juntas. A igreja é diferente do governo. Por isso, não entramos na política. Uma vez que você entra, você faz parte disso, e não é o que queremos”, pontuou.
“Se votarmos no presidente, que é o chefe do Exército, temos que mandar nosso meninos para a guerra (…) Jesus nos disse para não lutar. Nós somos ‘não resistentes’, se votarmos para eleger um presidente e estourar uma guerra, seremos convocados e obrigados a pegar em armas, mas nós jamais faremos isso; deixamos essas coisas separadas”, concluiu.