Empresa do indonésio Jackson Widjaja não apresentou os pedidos requeridos por lei para comprar a Eldorado Celulose e agora pede que o Brasil aceite um “jeitinho” para regularizar ilegalidades
A entrevista de Claudio Cotrim, presidente da Paper Excellence, ao jornal Folha de S.Paulo, publicada (aqui, para assinantes) neste domingo (17.nov.2024), é uma confissão de culpa. Admite que descumpriu a lei e o contrato de compra da Eldorado Brasil Celulose, assinado em 2017, e pede que o Brasil aceite um “jeitinho” para regularizar suas ilegalidades.
No contrato, Cotrim declarou que a Paper Excellence detinha todas as autorizações e licenças necessárias para assinar o documento, sem depender de qualquer ato adicional das autoridades. O que hoje é sabido, e admitido na entrevista, é que as autorizações nunca foram sequer requeridas.
Cotrim simula desconhecer a legislação pátria, que é clara: fusões e aquisições de empresas de capital brasileiro, proprietárias ou arrendatárias de grandes extensões de terras, por empresas de capital majoritariamente estrangeiro, estão sujeitas à lei 5.709, de 1971, e à aprovação prévia do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e do Congresso Nacional.
Respeitando essas regras, estrangeiros controlam mais de 6,5 milhões de hectares no Brasil, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Essa é a superfície que o Brasil planta com algodão, arroz e feijão somados.
Cotrim pede agora que o Estado chancele sua opção por descumprir a lei e permita que a Paper Excellence assuma sem a autorização prévia os mais de 450 mil hectares da Eldorado –o equivalente a 3 municípios de São Paulo ou a 76 ilhas de Manhattan.
A promessa é que, assim que assumir a Eldorado, a Paper Excellence vai vender as terras próprias e converter os contratos de arrendamento em parcerias agropecuárias, que não são alcançadas pela Lei 5.709. Ou seja, Cotrim propõe um conluio criminoso com as autoridades e com mais de 400 arrendadores das terras para fraudar a lei, ao apenas alterar o nome dos contratos.
Essa bravata irresponsável produz insegurança nas relações da Eldorado com os arrendadores e seus mais de 4.000 colaboradores da área florestal. Afinal, se a Paper Excellence não quer as terras da empresa, o que fará com os empregados que trabalham nelas?
A verdade é que a Paper Excellence quer, e muito, as terras brasileiras. Até exigiu uma cláusula que consta no contrato, obrigando a Eldorado a manter no mínimo 230.591 hectares cultivados até a conclusão do negócio. As florestas plantadas são o coração do setor de celulose. A diretoria florestal representa 70% da força de trabalho da Eldorado.
A proposta ilegal de Cotrim ainda desrespeita as autoridades que já a rejeitaram. A ideia foi apresentada, e rejeitada, em audiência de conciliação com a AGU (Advocacia-Geral da União), o MPF (Ministério Público Federal) e o Incra. Ao contrário do que diz Cotrim, todos esses órgãos já concluíram que o contrato de compra e venda da Eldorado é nulo, devido à falta das autorizações prévias. Na 4ª feira (13.nov.2024), o Incra publicou o despacho (leia a íntegra, PDF – 118 kB) que cumpre pareceres da AGU (Advocacia Geral da União) e comunica as autoridades sobre o resultado da análise contrário à concretização do negócio.
Mesmo assim, o dono da Paper Excellence, Jackson Widjaja, recusou a única solução legal para o impasse: o desfazimento do negócio, conforme determinado na lei e recomendado pelo Incra. A J&F propôs devolver voluntariamente o valor que a Paper Excellence pagou pelas ações da Eldorado, abrindo mão até de cobrar os prejuízos. Isso destravaria a Eldorado para investir em sua expansão –um projeto que Cotrim já admitiu à imprensa ter sido barrado por Widjaja.
Mais uma vez, Widjaja desprezou os interesses e a legislação brasileiros. Preferiu escalar Cotrim para pressionar as autoridades por meio da mídia, omitindo vários fatos e inventando outros, em detrimento não apenas dos envolvidos, mas de todos os investidores estrangeiros que seguem as leis no Brasil.
Leia mais sobre o caso da Eldorado Brasil Celulose:
16.nov.2024 – Incra conclui processo com parecer contrário à compra da Eldorado
4.nov.2024 – Incra mantém parecer contra compra da Eldorado pela Paper Excellence
14.out.2024 – Nunes Marques diz que Paper Excellence agiu de má-fé
4.out.2024 – Tribunal manda Eldorado pagar dividendos e bloqueia ações da Paper
23.set.2024 – Árbitro do caso Eldorado renuncia após decisão da Justiça
3.mai.2024 – Opinião: “Uma questão de legitimidade”, escreve Cláudio Cotrim
26.abr.2024 – Opinião: “Uma questão de soberania”, escreve Carol Proner
27.jan.2024 – MPF defende continuidade de ação sobre suspensão da venda de Eldorado
8.jan.2024 – J&F pede fim de contrato com a Paper Excellence e quer devolver R$ 3,8 bi
2.jan.2024 – Incra orienta pelo cancelamento da venda da Eldorado à Paper Excellence
27.out.2023 – MPF rejeita acordo com Paper Excellence sobre terras
20.jul.2023 – TJ-SP define desembargador responsável pelo caso Eldorado
4.jul.2023 – TRF-4 suspende venda da Eldorado para Paper Excellence