A Rússia acusou a Ucrânia de usar, pela primeira vez desde fevereiro de 2022, mísseis de longo alcance de fabricação norte-americana na guerra no leste europeu.
Segundo um comunicado divulgado nesta terça-feira 19 pelo Kremlin na plataforma Telegram, o exército ucraniano disparou seis mísseis contra o território russo. Cinco deles foram abatidos, mas um míssil conseguiu atingir uma instalação militar na região fronteiriça de Bryansk.
“Como resultado, foi deflagrado um incêndio que foi extinto operacionalmente”, diz a nota russa que informa que o ataque não resultou em mortes ou ferimentos.
Segundo a Rússia, os ucranianos utilizaram “mísseis táticos ATACMS de fabricação americana”.
A Ucrânia ainda não confirmou oficialmente o ataque denunciado pela Rússia, mas um alto funcionário do país disse à AFP que, de fato, o arsenal foi utilizado nesta terça-feira. O presidente Volodymyr Zelensky ainda não se pronunciou sobre o ataque, mas, recentemente, reconheceu que o seu país tinha os ATACMS e que estava determinado a usá-los, sem dizer quando.
O ataque acontece apenas poucos dias depois do governo de Joe Biden autorizar Kiev a usar os mísseis de longo alcance do tipo ATACMS. A autorização é uma demanda feita pelo presidente ucraniano nos últimos meses, mas que enfrentava resistência norte-americana.
A decisão dos EUA de autorizar o uso desse tipo de míssil se deve aos desdobramentos de um dos mais recentes capítulos da guerra no leste europeu: a suposta presença de tropas da Coreia do Norte ao lado dos militares russos.
‘Nova fase da guerra’
Não é de hoje que a Rússia vem indicando que um eventual uso de mísseis de longo alcance pela Ucrânia representaria uma aposta forçada para uma guerra ainda mais violenta. Meses atrás, Vladimir Putin chamou a proposta de ‘provocação’ e prometeu revidar.
Nesta terça, o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, que está no Rio de Janeiro para a reunião de cúpula do G20, comentou o ataque e falou em “nova fase da guerra”.
“Se houver um lançamento de mísseis de longo alcance da Ucrânia em direção ao território russo, significa que estes são operados por especialistas militares dos Estados Unidos. Consideramos que esta é uma nova fase da guerra do Ocidente contra a Rússia e reagiremos em conformidade”, sintetizou Lavrov.
Armas nucleares
Ainda é cedo para prever quais serão as respostas russas ao ataque, mas uma medida assinada por Putin nesta manhã pode ajudar a entender a marcha dos acontecimentos. Na data em que o conflito no leste europeu completa mil dias, o presidente russo sancionou um decreto que amplia as possibilidades de uso de armas nucleares.
“Entre as condições que justificam o uso de armas nucleares está o lançamento de mísseis balísticos contra a Rússia”, diz o documento. Na prática, o decreto substitui uma regra de 2020, permitindo, agora, que armas nucleares sejam usadas contra um inimigo que represente “uma ameaça crítica à soberania e (ou) integridade territorial” da Rússia ou de Belarus.
Ciente de que a Ucrânia não possui armas nucleares, a Rússia acabou decidindo que poderá usar esse tipo de armamento no caso de um “ataque conjunto” ao seu território. Ou seja, em um ataque promovido pela Ucrânia (sem armas nucleares) e apoiado pelos Estados Unidos (que possui armas nucleares). Um recado direto, assim, aos dois países.
Armas nucleares costumam ser usadas como instrumentos de pressão em conflitos, funcionando como uma espécie de “limite que não deve ser ultrapassado”. No caso da Rússia, o decreto desta terça é explícito ao permitir o uso de armas nucleares contra, basicamente, qualquer “ataque massivo” ao seu território, a exemplo de drones, hipersônicos, aviões de guerra ou qualquer dispositivo não tripulado que viole o seu espaço aéreo.
Os mísseis de longo alcance
Esse tipo de míssil utilizado pela Ucrânia nesta terça-feira é conhecido pelo nome de Army Tactical Missile Systems (Sistemas de Mísseis Táticos do Exército dos EUA, em português). Eles servem para realizar ataques precisos em uma longa distância.
O uso dessa ferramenta militar seria uma forma de reforçar o poderio ucraniano, já que a Rússia é conhecida pela posse de mísseis de alto poder destrutivo. Segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), o país governado por Putin tem o mais vasto arsenal de mísseis do mundo. Entre eles, está o 9k720 Iskander, que tem características semelhantes aos ATACMS.