Como um solista, o presidente apostou em assumir diretamente a comunicação do governo –e, agora, o sucesso ou o fracasso da empreitada serão apenas dele, escreve Marcelo Tognozzi
Um governo sempre precisa de um comunicador. Na ditadura militar, o grande comunicador era Amaral Netto. Seu programa “Amaral Netto, o Repórter” foi campeão de audiência transmitido pela Globo, então emissora oficial do regime. Os generais não tinham talento e nem paciência para falar com o povão.
No governo Sarney o então ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães tomou para si a missão de ser o principal comunicador. Sabia manejar a imprensa como poucos.
Embora contando com profissionais muito competentes, como Fernando César Mesquita, as circunstâncias mantinham o governo Sarney muito mais reativo que proativo. Ser o dono da ação, ter a iniciativa da vanguarda, é vital para qualquer governo que deseja se comunicar bem. Quando isso não acontece, a orquestra tem de ser substituída por um solista.
No governo Bolsonaro, o comunicador principal foi o próprio presidente. A relevância era dele e apenas dele. Mais de um ano depois da posse, Lula decidiu tomar as rédeas da comunicação do seu governo. Há décadas, o PT ostenta uma invejável capacidade de comunicação, sendo um dos pioneiros na produção de conteúdo para redes sociais. Mas, neste governo Lula 3, as coisas desandaram.
Estimulado pela primeira-dama Janja da Silva, o presidente assumiu o papel de comunicador oficial do seu governo. Adotou uma agenda proativa com entrevistas e pronunciamentos, ocupando a pista toda. Lula e Bolsonaro têm em comum o dom de falar com o povão, aquele eleitor morador dos bairros populares, hoje nossos maiores consumidores de conteúdos nas redes sociais.
Lula voltou a ser Lula. Desceu daquele pedestal do início do governo, largou a conversa fiada de paz e amor e mudou suas prioridades: trocou as viagens internacionais pelas viagens nacionais e pela defesa intransigente do que é seu. Há quem reclame das gafes do presidente, mas isso vira bobagem quando olhamos as pesquisas e constatamos que o Lula comunicador estancou a queda da popularidade do Lula presidente, embora seu governo –ao contrário da sua atuação– não tenha caído no gosto popular como antigamente.
Bolsonaro gostava de falar para o “chiqueirinho”, apelido do cercadinho onde jornalistas se amontoavam na porta do Alvorada, disputando espaço com apoiadores. Lula criou um “chiqueirinho” digital, conversando com jornalistas em estúdios de rádio e TV, em entrevistas transmitidas ao vivo pelas redes sociais. Boa estratégia, porque a comunicação flui mais limpa e direta. Ambos, Bolsonaro e Lula, usam da sua eficiência para manter intactas suas bolhas de eleitores transformados em devotos pela força da polarização.
Noves fora as bobagens e teorias da conspiração, que brotam feito cogumelos no pasto nesses tempos de extremismos políticos, é preciso entender o que move Lula nessa ação de comunicação. Isso não é mera vaidade pessoal, mas um movimento político pensado e executado com a finalidade de manter seu poder conquistado nas urnas.
Calou fundo no governo as manifestações bolsonaristas, a 1ª juntando 700 mil pessoas em São Paulo, e outras Brasil afora, com multidões gritando “mito, mito”. O PT e a esquerda não conseguem mobilizar essas multidões. Lula sabe disso, porque já bebeu dessa água, seja como líder sindical ou candidato vitorioso a presidente. Precisa resgatar a linha direta com o eleitor, entupida pela burocracia partidária, a corrupção desvendada pela Lava Jato e o Mensalão e a chegada de um concorrente de peso que também se comunica com a massa.
A decisão de assumir o papel de comunicador do seu governo foi, de todas, a mais importante até aqui. Ele sabe que o ministro Fernando Haddad, seu tucaninho de estimação, não tem carisma ou perfil para esse tipo de missão. Onde Lula pisa não nasce grama. Isso todos nós que o conhecemos desde os tempos de sindicato sabemos de cor e salteado. É ele, ele e ele.
Lula saiu da presidência do Sindicato dos Metalúrgicos e nenhum sucessor teve a mesma relevância. Depois de deixar a presidência do PT, o único político com lastro nacional a comandar o partido foi José Dirceu. Os demais presidentes do partido foram, e ainda são, políticos de expressão regional.
Lula escolheu Haddad para prefeito de São Paulo, mas na hora da reeleição ganhou João Doria, o candidato de Geraldo Alckmin. Elegeu Dilma presidente. O natural seria ela ter aberto mão do 2º mandato para Lula voltar nos braços do povo, mas não foi o caso e o que veio depois foi desastroso, um tsunami político. Dilma é uma ex-presidente irrelevante, que Lula mandou para bem longe e hoje vive em Xangai dando expediente na sede do Banco dos Brics.
Lula vive seu outono. A vida deu muito, tirou pouco e negou a ele quase nada. Seu saldo é positivo, porque ninguém até hoje saiu da cadeia para o Planalto com apenas uma escala na campanha eleitoral. Aos 78 anos, o presidente é o político mais experiente em atividade no Brasil, dono de uma capacidade invejável de ler as pessoas e de entender o papel de cada um dos atores políticos. Sabe o tamanho que tem.
Por isso, sua decisão de assumir a comunicação do governo foi sábia. Imagino o gosto amargo sentido no 1º de maio vazio em frente ao estádio do Corinthians. Deu bronca, escalou culpados, sabendo que só ele poderia consertar o estrago.
Do ponto de vista político, o presidente chamou para si o enfrentamento com os adversários. O faz cotidianamente desde o início do ano, escolhendo seus alvos, como o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, seu sparring predileto. Fala de tudo, sobre qualquer coisa e com todos. Ainda é cedo para cravar, mas esse esforço de comunicação pode render a Lula a conquista de novos eleitores que votaram no PT apenas porque eram contra Bolsonaro.
A polarização global tem levado líderes políticos a assumir o papel de comunicadores. Na Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez dispensa porta-vozes; na Itália, Giorgia Meloni faz o mesmo, assim como o argentino Javier Milei, Viktor Orbán da Hungria e, agora nos Estados Unidos, Donald Trump e Joe Biden.
Isso é bom, porque os mantém próximos do eleitorado e da realidade das ruas. Mas também pode ser ruim, porque os expõe a vulnerabilidades e a ataques diretos de opositores. Lula entrou na guerra da comunicação de peito aberto. A partir de agora ele é solista: o sucesso ou o fracasso serão apenas dele.