Proposta do governo Lula, levada até ao Papa, enfrenta oposição de países ricos, especialmente dos EUA; se naufragar será vista como derrota internacional
Principal proposta econômica do Brasil à frente da presidência do G20, a taxação global de bilionários enfrentou resistências, especialmente de países ricos, durante negociações da declaração sobre cooperação tributária internacional na reunião de ministros de Finanças do G20. O encontro foi realizado ao longo da última semana, no Rio.
A dificuldade em se avançar com o tema mostra que a ideia apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e capitaneada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve levar mais tempo para ser concretizada do que o governo gostaria e pode chegar a resistências intransponíveis.
No G20, o grupo que reúne as 19 principais economias do mundo, a União Europeia e a União Africana, Haddad disse que a menção à tributação dos super-ricos em um documento do bloco é “histórico”, uma “conquista de natureza moral” e deve ser celebrada.
Mas admitiu que os processos para que a tributação seja de fato incorporada pelos países “têm cursos relativamente lentos na agenda internacional”. Ainda assim, disse que o G20 será lembrado como o ponto de partida para um “novo diálogo global sobre justiça tributária”.
O ministro citou como exemplo o chamado pilar 1 da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que trata da taxação de multinacionais. O tema está em discussão há quase uma década nos fóruns mundiais. Por isso, o governo brasileiro tenta afastar a interpretação de que uma eventual demora na concretização da proposta possa ser vista como uma derrota.
Durante as negociações no G20, o Brasil precisou ceder. Integrantes do bloco aceitaram apresentar o tema em um documento separado do comunicado sobre assuntos econômicos gerais. O formato foi negociado para evitar que países contrários à proposta pudessem bloquear a inclusão do tema do documento final dos ministros. O texto sobre a questão tributária ficou sob responsabilidade do Brasil. Leia a íntegra (PDF – 253 kB) do documento aprovado, em inglês.
A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e coordenadora da Trilha de Finanças do G20, Tatiana Rosito, minimizou a situação e negou que a separação das declarações tenha tido como objetivo driblar a resistência de alguns países. Para a secretária, o assunto é inédito e, por sua importância, merecia uma declaração específica.
Além da divisão nos textos, países ricos, especialmente os Estados Unidos, se opuseram a incluir uma promessa explícita de implementação de um sistema internacional para tributar bilionários. O documento final teve tom mais brando, em que as nações reafirmaram o compromisso com a promoção do diálogo global sobre tributação justa e progressiva.
Na 5ª feira (25.jul.2024), a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, afirmou ser muito difícil existir uma coordenação das políticas tributárias entre diversos países e que não vê necessidade, tampouco acha desejável negociar um acordo internacional sobre a taxação de bilionários.
Os norte-americanos avaliam que o assunto deve ser tratado por cada nação, até porque haveria diferentes interpretações jurídicas e formas locais de implementação. Nos Estados Unidos, por exemplo, dependeria de decisão de cada Estado.
A proposta do Brasil é baseada nos estudos do economista francês Gabriel Zucman. Seu plano é cobrar uma alíquota anual mínima de 2% da riqueza acumulada por quem tem mais de US$ 1 bilhão. Atualmente, cerca de 3 mil pessoas em todo o mundo possuem esta riqueza, sendo cerca de apenas 70 no Brasil. O cálculo apresentado é de que US$ 250 bilhões (cerca de R$ 1,4 trilhão) poderiam ser arrecadados por ano em todo o mundo. Eis a íntegra dos dados (em inglês, PDF – 549 kB).
Zucman diz que a taxa média efetiva de pagamento de impostos dos super-ricos atualmente é de 0,3% do total das riquezas. Segundo o economista, um dos maiores desafios para a tributação é o mapeamento das riquezas.
Lula diz que o objetivo da ideia é combater a desigualdade de renda no mundo e, a partir da contribuição dos mais ricos, adotar políticas globais de combate à fome e à pobreza. Há também propostas para que parte dos recursos sejam usados para o financiamento para transição ecológica por meio de fundos.
Haddad levou a proposta até mesmo ao papa Francisco quando o visitou em junho no Vaticano. Diante da resistência dos países mais desenvolvidos, o ministro tenta angariar apoios internacionais. Lula sempre poderá dizer que propôs ao mundo uma solução para acabar com a pobreza, mas que os ricos rejeitaram a ideia –e que, portanto, a culpa não é dele.