Com mais de 36.000 visitantes e 300 expositores, ExpoCannabis posiciona o país entre as economias canábicas mais pujantes do mundo
Nos últimos meses, a pauta canábica conquistou espaços que já vinham sendo discutidos há muito tempo, fazendo de 2024 o ano mais emblemático da história recente da planta no Brasil.
A descriminalização do porte e uso de pequenas quantidades de maconha, em junho deste ano, foi o estopim de avanços simbólicos e práticos no caminho da normalização da maconha.
Meses depois, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) finalmente autorizou veterinários a prescrever tratamentos com cannabis para os bichinhos, e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) foi unânime em concordar que o Brasil pode e deve cultivar cânhamo (a variedade não psicoativa da planta) em solo nacional, o que dará maior autonomia às empresas de cannabis medicinal, que, ainda hoje são reféns do mercado externo para a produção de seus medicamentos. A medida deve resultar na diminuição do preço dos tratamentos daqui a 2 ou 3 anos.
O clima de otimismo generalizado se materializou na 2ª edição da ExpoCannabis Brasil, realizada de 15 a 17 de novembro, em São Paulo, e foi palco de uma grande celebração dos atores da cena: usuários, empresários, médicos e pacientes, animados com as boas-novas e felizes em se reencontrar ao vivo. Mais de 36.000 visitantes participaram dos 3 dias de evento, um crescimento de 50% em relação à 1ª edição da feira, em 2023.
A título de comparação, a Spannabis, que é realizada há 25 anos, em Barcelona (Espanha), reuniu 25.000 pessoas na sua última edição, em março deste ano. A Mary Jane, em Berlim, recebeu 40.000 visitantes em junho, e a ExpoCannabis Argentina abriu as portas para 50.000 pessoas no início de novembro.
Mas, repare: tanto Espanha quanto Alemanha admitem o uso recreativo da erva (coisa que o Brasil ainda nem sonha), e a Argentina já conta com um marco regulatório robusto para os usos medicinais e industriais da planta (conquistas que o Brasil ainda luta para garantir).
DEBATER PARA EVOLUIR
A despeito dos entraves produzidos pelo proibicionismo e pela ignorância que ainda assola o tema, o Brasil entrou de vez no circuito dos eventos canábicos mais importantes do mundo. O que será que um futuro devidamente regulamentado nos reserva?
Já consolidada como principal catalisador da cena canábica do Brasil, a ExpoCannabis só chegou onde está porque é múltipla e desde a sua raiz traz a importância da pluralidade de usos (medicinal, industrial e recreativo).
A aposta do evento era bastante ousada, mas deu certo. Conseguiram se tornar referência no calendário de eventos canábicos e ser frequentados por usuários, pacientes, médicos e gente curiosa de todo tipo. Todos os públicos se encontravam na entrada, mas não necessariamente dentro do local, já que o setor medicinal ficava logo no início, bem longe da área externa com os shows –e muita fumaça.
No meio do caminho, além de dezenas de estandes e marcas, estavam também os espaços reservados às conferências e aos workshops, detalhe essencial de qualquer evento canábico que se preze (os nerds agradecemos). A Expo marca um golaço ao fomentar discussões 360º, como o potencial agro, recentes descobertas científicas, legislação, economia, sustentabilidade, empreendedorismo e um monte de outras coisas tão diversas quanto a própria maconha.
Comparando-se, por exemplo, com a agenda de conferências da Spannabis, que está aí há mais de 2 décadas, a Expo ganha de lavada, por ser infinitas vezes mais interessante e antenada. Destaque para a curadoria do psicólogo e redutor de danos, Lauro Pontes, que montou a agenda de conferências sobre o uso medicinal com nomes que se complementam em vez de se repetir, como a fitoterapeuta Thabata Neder e a médica Ana Hounie.
CAPITAL FINANCEIRO E DE INFLUÊNCIA
A organização do evento não divulgou o seu faturamento, mas supondo que dos 36.000 presentes, 30.000 tenham pagado ingresso, a Expo teria faturado mais de R$ 5 milhões só com as entradas. O número real, óbvio, passa dos R$ 10 milhões se colocarmos na conta os estandes e a publicidade em geral. Algumas marcas gastaram uma bolada para marcar uma boa presença e ter grande destaque na feira. É o caso da Net Seeds, marketplace de genéticas medicinais para o autocultivo, que investiu R$ 350 mil, e apesar de não ter vendido semente na própria feira, vendeu milhares delas para entrega imediata.
A grandiosidade dos estandes surpreendeu até mesmo quem havia comparecido à 1ª edição, e o destaque ficou por conta das marcas de seda e outros apetrechos para fumar, que crescem de 20% a 30% ao ano, e têm faturamento anual na casa dos R$ 20 milhões aos R$ 50 milhões.
A aLeda, uma das principais marcas do ramo, ganhou até prêmio como estande mais criativo do evento, e de fato, teve de um tudo por lá. Do rapper Matuê à hashmaker mais famosa do planeta, Mila Jansen também conhecida como Mila Hash Queen.
Apenas ⅕ das empresas de cannabis que existem hoje no Brasil, de acordo com dados da consultoria Kaya Mind, estavam na Expo, mas representaram muito bem a multiplicidade desse ecossistema. Pensa em algo. Pronto, tinha lá. Quer ver?
Pets. Lá estavam os veterinários, as associações e também os ativistas com os seus companheiros bichanos. Terpenos. Claro, os terpenos estavam nos chocolates, em molhos, bebidas, mas o mais interessante foi o sorvete da Terps, que além de delicioso era também o único sorvete da Expo, e virou febre. A marca vendeu rapidamente o estoque que acabou bem antes de o evento acabar. É interessante perceber como a inventividade tende a ser bem recompensada no mundo canábico.
Além de uma economia fervilhante e um ecossistema retroalimentável, a cannabis no Brasil foi além na semana passada. Ao redor da Expo, organizaram-se eventos-satélite como o Cannabis Women, que foi realizado na Matilha Cultural e reuniu mulheres poderosas da cena, como Alice Reis, Polita Pepper e Débora Mello, a Xapa Xana, e Dab-a-doo, uma copa canábica que avalia extrações de makers locais.
A ExpoCannabis de fato movimenta um capital não só financeiro, mas relacional e sinergético que favorecem o avanço dessa indústria.