“Aumentar imposto via seletivo incentiva o contrabando”, diz especialista

Segundo Edson Vismona, presidente do ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade, aumentar imposto só dá certo para barrar o consumo quando não há penetração do contrabando

O presidente do ETCO (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), Edson Vismona, 64 anos, disse que a criação de impostos seletivos tendem a aumentar o contrabando nos setores impactados. Motivo: os mais pobres são mais atingidos pela alta nos preços.

Dentro da reforma tributária, setores como cigarro e álcool terão tributação superior à média. Para Vismona, é um erro.

Assista (6min29s): 

Em setores mais sensíveis à ação da ilegalidade, você entrega o mercado para o contrabandista, o fraudador, o devedor contumaz. Nossa preocupação com o imposto seletivo é essa. Vai incidir sobre segmentos como bebidas, tabaco. Se a incidência de imposto seletivo repercutir em aumentar a carga tributária, você estimula de vez a ilegalidade”, disse Vismona, em entrevista ao Poder360.

Assista à íntegra da entrevista (31min52s):

Afirmou ainda que até a OMS (Organização Mundial da Saúde) fez alertas sobre esse risco em áreas que sofrem com a presença da clandestinidade.

A OMS faz essa ressalva com relação ao cigarro. O aumento de imposto pode significar uma diminuição de consumo desde que não haja penetração do contrabando. Se houver o contrabando, eles sugerem modulação porque o contrabando ocupa. Aconteceu no Chile. O cigarro pulou de 30% para 50%. Quem ocupou o espaço? O contrabando. Diminuiu o consumo? Não. O imposto seletivo só tem validade sem o mercado ilícito”. 

Edson Vismona tem 64 anos, é advogado, presidente do ETCO (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial) e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade. Antes, foi secretário da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.

Leia trechos da entrevista:

Poder360 – Como a prática dos chamados devedores contumazes impacta a economia do país?
Edson Vismona – Impacta fortemente. Para o erário, há a bilionária sonegação de impostos, especialmente dos setores de combustíveis e cigarros. Para o consumidor porque, se o devedor não paga imposto, também vai procurar outras vantagens. Não obedece regulamentação técnica, frauda quantidade e qualidade de combustíveis. Os cigarros não seguem determinações da Anvisa. Imagine um ambiente de impostos elevados concorrer com um player que não paga imposto. É uma vantagem competitiva ilegal e criminosa, solapa a estrutura concorrencial prevista na Constituição. Só combustíveis e cigarros têm R$ 100 bilhões na dívida ativa. Cigarros sonegam R$ 20 bilhões ao ano e combustíveis, R$ 30 bilhões.

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Vismona diz que “forças ocultas” impedem o avanço do projeto que tipifica o devedor contumaz

Qual a diferença do devedor contumaz para alguém com dívidas com a Receita? 
São estruturas que dolosamente se estruturam para não pagar impostos. É importante fazer a distinção. Os contumazes tentam se misturar aos outros. É mentira. Ele entra no mercado estruturado para nunca pagar e obter vantagens em relação à concorrência. Não é o eventual, o que tem situações reiteradas ou aquele com dificuldade econômica. Ele avança sobre o mercado com essas vantagens que obtém. Compra refinarias, assume postos de gasolina. No caso de cigarros, coloca o seu produto no Brasil inteiro de forma predatória. São estruturas criminosas.

Como é construída e quais as características dessa estrutura? 
O contumaz declara imposto porque quer fugir do crime de sonegação. Só que aí não paga. O Fisco começa a atuar nessa empresa, que se defende. Aí progridem as questões administrativas e ele vai ganhando tempo. Uma hora, chega na área judicial. Há situações em que a empresa, depois de 10 anos recorrendo, fecha a operação, mas já tem outro CNPJ. E quando o Fisco consegue executar, a empresa não existe mais. E aí começa de novo. É uma artimanha que a legislação precisa coibir. Além de combustíveis e cigarros, a área têxtil também sofre. Há projetos de lei para coibir essa prática. O 164, no Senado, que abrange todos os impostos e um mais recente do governo, o PL 15, que pega só os impostos federais e está na Câmara. Mas nenhum avança. Há um entendimento que se não há consenso entre líderes, não evolui. E tem uma força oculta que faz de tudo para que não avance.

Por que cigarros e combustíveis são os setores mais atingidos por essa prática?
Porque são setores altamente tributados. Cigarros são mais de 70%. Ao não pagar, tem uma margem absurda de lucro na comparação com a indústria nacional. Incentiva o contrabando, o devedor contumaz e as fábricas clandestinas. Já foram mais de 52 fábricas desbaratadas nos últimos anos. Pelos nossos dados, 36% do mercado de cigarros é ilegal. Essas fábricas são 9% do total. Diferente do importado clandestino, elas têm facilidade logística, usam mão de obra análoga à escravidão e, olha que curioso, falsificam as marcas paraguaias contrabandeadas. É uma grande ironia. O consumidor de baixa renda procura o mais barato e já pede o estrangeiro. Aí essa esperteza criminal se aproveita para fabricar dentro do Brasil sem ter problemas de fronteira e sem pagar imposto. E esses produtores são cada vez mais ligados às organizações criminosas e milícias.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem falado que há postos de gasolina em posse do crime organizado. Esses grupos também usam essa prática?
Muito. É o Estado paralelo. O crime organizado busca financiamentos para se fortalecer e identificou no contrabando de cigarros e no mercado de combustíveis uma fonte importante para financiar suas operações. São estruturas que vão se interligando. A sociedade precisa despertar, as confederações atuarem junto com o poder público para mostrar que isso está acontecendo. Há dados que, no setor de combustíveis, o crime organizado já é o 5º maior distribuidor do país. Nos cigarros, 40% das cidades do Rio de Janeiro, inclusive da região metropolitana, as milícias proíbem a venda do cigarro legal. Vale para cigarro, energia, gás, locação de imóveis, sinal de TV por assinatura. Não é um problema só do Brasil, mas da América Latina. O governo está mais sintonizado com o tema. Mas precisamos reforçar e transformar essa preocupação em ação. O México e Equador mostram o tamanho do problema. Não é uma tese, é um fato.

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O imposto seletivo, para Vismona, tem efeito sobre a demanda e pode incentivar a clandestinidade

Na reforma tributária está sendo aplicado o imposto seletivo em algumas áreas. Há risco de ampliar o número de contumazes em função da alta de tributação?
Fazemos esse alerta há mais de 3 anos. O fator criminoso é econômico. Depende de oferta e demanda. Oferta se combate com repressão e demanda é o preço. O que impacta o preço é custo do Brasil e impostos. Todo imposto é repassado ao preço final e quem paga é o consumidor. Se aumentar o imposto do produto legal, aumenta a vantagem do ilegal, que nunca paga imposto. A vantagem competitiva está nisso. O imposto cresce, o crime agradece. Na repressão, defendemos ação integradas das polícias, Receita Federal, estradas, cidades. É comum nas fronteiras a força policial querer fazer operação, mas não tem verba para gasolina, diárias. Não pode ter contingenciamento de recursos nessa área sob pena de abrir a porta para o crime organizado.

E a reforma tributária? 
Na reforma tributária chamamos a atenção que a carga tributária já é alta e não há margem para aumento. Em setores mais sensíveis à ação da ilegalidade você entrega o mercado para o contrabandista, o fraudador, o devedor contumaz. Nossa preocupação com o imposto seletivo é essa. Vai incidir sobre segmentos como bebidas, tabaco. Se a incidência de imposto seletivo repercutir em aumentar a carga tributária, você estimula de vez a ilegalidade. A OMS (Organização Mundial da Saúde) faz essa ressalva com relação ao cigarro. O aumento de imposto pode significar uma diminuição de consumo desde que não haja penetração do contrabando. Se houver o contrabando, eles sugerem modulação porque o contrabando ocupa. Aconteceu no Chile. O cigarro pulou de 30% para 50%. Quem ocupou o espaço? O contrabando. Diminuiu o consumo? Não. O imposto seletivo só tem validade sem o mercado ilícito.

Houve também debate sobre incluir alimentos ultraprocessados e ricos em açúcar no seletivo. Mas não há certeza científica de que todos os ultraprocessados façam mal.
Poderia ser um incentivo porque, havendo a demanda, o criminoso está atento. Pode ser um claro incentivo para trazer ultraprocessados da Argentina, Paraguai. Vinhos são exemplo. O contrabando na pandemia ocupou espaço pelo e-commerce. Tivemos o caso de uma marca de celulares chineses comemorando ter 20% do mercado nacional, mas todos vêm do Paraguai, sem pagar imposto. Isso perverte a estrutura brasileira. O Brasil tem planejamento, mas pouca preocupação com efetividade. Temos que ter uma análise de impacto regulatório. Saber se deu certo e avaliar permanentemente. O ativismo influencia muito as decisões. Ok. Mas qual o impacto? Temos que medir na realidade factual.

O empresário Rubens Ometto, da Cosan, fez duras críticas ao fato de o projeto do devedor contumaz não estar andando no Congresso. Citou forças que não permitem a evolução. Quais são essas forças?
Forças cooptadas por quem atua com os devedores contumazes, um mercado de muito dinheiro. Poucos projetos de lei que acompanhei conseguem congregar tantos benefícios quanto esse. É difícil ser contra o combate a essa prática. Mas aí entram as forças ocultas citadas pelo dr. Ometto. Atuam insidiosamente nos Três Poderes.

Fonte: Poder 360

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