Avanços tímidos em Baku aumentam a responsabilidade do Brasil na COP–30 – Mundo – CartaCapital

A COP–30 será a COP das COPs”, promete a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Em grande medida, a ambientalista traduz as expectativas em relação à conferência do clima das Nações Unidas marcada para Belém do Pará em novembro do próximo ano. O bem-sucedido esforço diplomático do governo Lula no recente encontro do G–20 no Rio de Janeiro, quando o Brasil conseguiu emplacar a aliança global contra a fome e acrescentar a taxação dos super-ricos no documento final assinado pelos líderes das maiores economias do planeta, cacifam o País no esforço de tornar realidade o discurso da ministra. Será uma nova oportunidade para reafirmar o papel de liderança do presidente brasileiro na construção de uma governança global, sem a qual será impossível enfrentar os efeitos das mudanças climáticas.

Em novembro, enquanto se desenrolava a COP–29 em Baku, capital do ­Azerbaijão, o Brasil anunciou a maior redução anual de emissões de gases de efeito estufa dos últimos 15 anos e apresentou ambiciosas metas de Contribuição Nacional Determinada (NDC, na sigla em inglês) no âmbito do Acordo de Paris. Dessa forma, as esperanças ambientais globais estão depositadas na capacidade brasileira de conduzir até a conferência de Belém uma negociação que permita o desbloqueio do prometido financiamento a projetos de adaptação e mitigação dos eventos extremos do clima. Ao lado do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e de representantes do Itamaraty, a ministra comandou a delegação brasileira na COP–29, encerrada na madrugada de domingo 24.

Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, teve uma das participações mais festejadas da conferência ao fazer anúncios como os 300 milhões de toneladas de gás carbônico que o País deixou de emitir em 2023, na comparação com o ano anterior, e a nova NDC, com meta de corte de 59% a 67% nas emissões de gases de efeito estufa até 2035. Segundo fontes do governo, para ser um negociador confiável na esfera diplomática, o Brasil pretende liderar pelo exemplo. “A meta de redução das emissões é ambiciosa, mas factível”, garantiu o vice-presidente.

Ausente da COP–29 por recomendação médica, após a queda sofrida no banheiro do Palácio da Alvorada, e por conta da recepção aos chefes de Estado e governo no G–20, o presidente Lula não perdeu a oportunidade de propor, no Rio de Janeiro, aos integrantes desenvolvidos do bloco a antecipação das metas de neutralidade de carbono em uma década, de 2050 para 2040. “Sem assumir suas responsabilidades históricas, as nações ricas não terão credibilidade para exigir ambição das demais”, discursou.

“A meta (brasileira) de redução das emissões é ambiciosa, mas factível”, garante o vice-presidente, Geraldo Alckmin

Naquela que tem sido chamada de COP da Floresta, no próximo ano, o Brasil, adianta Lula, pretende exibir números “ainda melhores que os 45% de queda na destruição das matas nos últimos dois anos”, além de apontar novos caminhos. “Os oceanos são outro importante regulador climático e fonte potencial de soluções. Eles serão um dos objetos prioritários de preocupação do Brasil durante o processo de construção da COP–30.”

Segundo o Pnuma, programa da ONU para o meio ambiente, as emissões globais anuais estão na faixa de 56,7 bilhões de toneladas de gás carbônico e precisariam ser reduzidas a 24,7 bilhões de toneladas até 2035 para tentar limitar o aquecimento à meta até a metade deste século.

Além de bons resultados, o governo brasileiro terá de demonstrar talento e disposição no comando da COP–30, para trazer de volta ao terreno da realidade uma discussão que anda em círculos após três anos consecutivos de conferências climáticas realizadas em paí­ses dependentes do petróleo e marcadas por compromissos ambientais tardios e promessas insuficientes de apoio financeiro. A COP–29 terminou da mesma forma que as conferências anteriores em Sharm-el-Sheikh, no Egito, em 2022, e em Dubai, nos Emirados Árabes, em 2023, com poucos avanços concretos e uma evidente resistência dos países ricos a liberar dinheiro ao combate das mudanças climáticas nas nações pobres.

Passados 13 dias de negociação, um impasse de última hora ameaçou a própria declaração final da conferência. No fim, os negociadores lograram renovar algumas metas nacionais de redução das emissões e avançaram, timidamente, em direção à regulamentação de um mercado de carbono global. Também nessa discussão o Brasil tem o que mostrar, embora o projeto aprovado pelo Senado na terça-feira 19 tenha lacunas que facilitam a ação do lobby do setor financeiro e ignoram recomendações científicas capazes de tornar o comércio de carbono um processo realmente eficiente de redução das emissões.

Boa parte dos ambientalistas e negociadores internacionais espera da ­COP–30 uma discussão dos temas essenciais, a começar pelo mais óbvio: quem deve enfiar a mão no bolso e pagar a conta do desequilíbrio ambiental. Os 300 bilhões de dólares prometidos em Baku, em suaves prestações até 2035, destinados a projetos de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças nos países mais pobres não passa de esmola, apesar de significar um upgrade na promessa feita há nove anos, durante a COP–21, em Paris, que aprovou o acordo global que leva o nome da cidade. Em 2015, os industrializados, maiores emissores históricos, comprometeram-se a doar 100 bilhões de dólares por ano a um fundo global até 2030. Dez anos se passaram e nada aconteceu, daí o ceticismo em relação ao valor anunciado em Baku.

Até o penúltimo dia da COP–29, os ­países ricos fincaram pé em uma proposta ainda menor, de 250 bilhões anuais, mas cederam alguns anéis ante a ameaça das nações insulares, além de diversas africanas, de não endossarem a declaração final e, assim, melar a conferência, pois somente são válidas as decisões firmadas por consenso. Triplicar o envio de dinheiro ainda está aquém das reais necessidades. Segundo a ONU, o valor correto de desembolso beira 1,3 trilhão de dólares.

Urgência. Em Belém, os líderes mundiais terão a chance de recuperar o tempo perdido. Os eventos extremos não vão esperar – Imagem: Serviço de Emergências de Valência/Espanha e iStockphoto

Outra crítica dos países em desenvolvimento dirige-se à inclusão de “atores e parceiros” no esforço de contribuição. Antes “responsáveis”, segundo o texto do Acordo de Paris, as economias desenvolvidas agora passam a “estar na dianteira dos esforços” pelo financiamento, o que abre espaço a atores privados e intenções menos nobres. “O texto não determina que esse financiamento deva ser público, o que pode diluir as fontes e responsabilidades e abre espaço para que parte do aporte seja feito através de mecanismos de empréstimo, o que traz um potencial risco de endividamento para os países em desenvolvimento”, aponta Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima. De acordo com o ambientalista, que participou das negociações no Azerbaijão, “os países desenvolvidos conseguiram mais uma vez abandonar suas obrigações e fazer os países em desenvolvimento pagarem a conta pelas mudanças climáticas”. Para ele, o Brasil agora terá “uma tarefa espantosa para a COP–30, aumentar esse financiamento hoje insignificante e reconstruir a confiança entre os países, que está abalada”.

No governo, a expectativa em relação à conferência de 2025 no Pará é grande. “A COP–30 é um grande desafio que só poderemos superar com o esforço e a colaboração de cada um”, afirmou Marina ­Silva aos integrantes da delegação brasileira em Baku. A ministra classificou como “experiência dolorosa” o processo de negociações no Azerbaijão. “Se em Dubai havíamos estabelecido que, para permanecermos alinhados com a meta de 1,5 grau Celsius, era necessário triplicar as energias renováveis, duplicar a eficiência energética e fazer a transição para o fim do uso de combustíveis fósseis, então teríamos de ter saído de Baku com o alinhamento do que é necessário em termos de recursos para cumprir com esses esforços.”

Ao longo do processo de construção da próxima Conferência do Clima, prossegue a ministra, os objetivos centrais do governo brasileiro serão levar os países ricos a financiar de forma efetiva os fundos e os esforços climáticos e alinhar o maior número possível de NDCs “suficientemente ambiciosas para alcançarmos a missão de manter o aquecimento em 1,5 grau Celsius”.

Outra preocupação será neutralizar os prováveis efeitos perversos da eleição de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos. Como possível antídoto a eventuais retrocessos e até mesmo ao risco de esvaziamento da COP–30, Lula e o atual presidente norte-americano Joe Biden, outro ausente em Baku, aproveitaram o encontro no G–20 para assinar um acordo bilateral de cooperação em transição energética. Biden também anunciou um novo aporte de 50 milhões de dólares ao Fundo Amazônia.

Secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini afirma que a COP de Baku deixou aberta uma conta que precisará ser fechada. “A liderança do Brasil terá de ser muito competente e dedicada.” O governo sonha alto e espera liderar até a COP–30 um processo que reú­na esforços oriundos de Pnuma, BRICS e G–20, e possa destravar o financiamento climático antes que o aquecimento global atinja o temido “ponto de não retorno” assinalado pelos cientistas. “Os trilhões de dólares necessários existem, mas estão sendo desperdiçados em armamentos, enquanto o planeta agoniza. A COP–30 será nossa última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático”, alertou o presidente Lula. •

Publicado na edição n° 1339 de CartaCapital, em 04 de dezembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Rumo a Belém’

Fonte: Terra

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