Cerca de 50% do gás do pré-sal é reinjetado por falta de estrutura de distribuição; BNDES vai financiar um gasoduto na Argentina
Depois da assinatura do acordo para a compra do gás argentino de Vaca Muerta, uma das opções na mesa para trazer o insumo ao Brasil é a construção de um gasoduto para ligar a província de Buenos Aires até a cidade de Uruguaiana (RS). O financiamento virá do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), mas as tratativas ficaram estagnadas com a derrota do peronista Alberto Fernández para Javier Milei, com quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tem uma boa relação.
A política freou o projeto que aumentaria ainda mais a disparidade entre a malha de gasodutos brasileira e argentina. Hoje, o Brasil tem pouco mais de 1/3 dos gasodutos que tem o país vizinho. Segundo dados compilados pelo IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás) a pedido do Poder360, o Brasil conta hoje com 58.436 km de gasodutos.
Já a Argentina tem uma extensão total de 162.500 km. Só a rede de distribuição argentina supera toda a malha brasileira. Quando comparada à infraestrutura da Europa e dos EUA, a malha brasileira não alcança 3% das demais.
A malha brasileira não faz jus à sua produção de gás natural. Em setembro, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) reportou uma produção total de 169,9 milhões de metros cúbicos de gás por dia. A Argentina, por sua vez, divulgou uma produção recorde de gás em julho deste ano: 151,7 milhões de metros cúbicos por dia.
Mesmo com uma produção superior, o Brasil ficou para trás do seu vizinho sul-americano na infraestrutura necessária para escoar o gás pelo país. Outro fator que explica essa dicotomia é o perfil de produção de cada país. Enquanto a Argentina tem grande parte de suas reservas em terra, o Brasil extrai a maior parte de sua produção no mar.
Acontece que para levar o gás para a costa é necessário investimento em infraestrutura, mas ainda entra mais um componente na equação: a reinjeção de gás nos poços de petróleo. A reinjeção acaba sendo uma estratégia comercial de petroleiras, como a Petrobras, para aumentar a produção de petróleo.
A injeção de gás natural, gás carbônico, água e outros fluidos aumenta a pressão dos reservatórios, ajudando a extrair o óleo e o petróleo é mais lucrativo do que o gás. Em setembro, as petroleiras que operam no Brasil devolveram aos poços 93,5 milhões de m³/dia, o equivalente a 55% de sua produção total. Ou seja, o país vive um ciclo vicioso de falta de infraestrutura e reinjeção para aumentar a extração de petróleo.
O GÁS DE VACA MUERTA
Como mostrou o Poder360, o governo brasileiro assinou um memorando de entendimento para iniciar o fornecimento do gás de Vaca Muerta para o Brasil. O acordo terá início com uma vazão de 2 milhões de metros cúbicos de gás por dia em 2025 e vai escalar para 30 milhões de metros cúbicos por dia em 2030.
O fornecimento terá início pelo Gasbol (Gasoduto Brasil-Bolívia), que também se conecta à Argentina, mas outras opções como a construção do gasoduto em território argentino pelo BNDES estão na mesa.
Outro fator que evidencia a falta de planejamento brasileira no tocante ao gás natural é que o insumo é produzido em Vaca Muerta a partir da técnica de fraturamento hidráulico. Essa prática consiste na injeção de de água, areia e produtos químicos em alta pressão para fraturar rochas subterrâneas e extrair gás armazenado nas rochas. É condenada por ambientalistas por causar contaminação no solo e é proibida no Brasil.
Mesmo se tratando de uma técnica proibida no Brasil, a opção do BNDES financiar a chegada desse gás ainda é analisada dentro do governo. Também chama atenção que mesmo dentro da Esplanada dos Ministérios não há vozes que condenam a estratégia, mesmo do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva.
Até hoje, a ministra não disse nada a respeito da operação, que foi assinada durante o G20. O evento que tinha como uma de suas principais pautas a sustentabilidade.