Carro a etanol é mais limpo que 100% elétrico, diz especialista

O economista agrícola e presidente da Datagro, Plínio Nastari

Plinio Nastari, presidente da Datagro, diz que vantagens ambientais, de custo e de facilidade de abastecimento devem crescer

O economista Plinio Nastari, 68 anos, avalia que as vantagens dos carros movidos a etanol sobre os 100% elétricos, que usam só baterias, deverão crescer nos próximos anos por causa do aprimoramento tecnológico. Ele menciona vantagens ambientais, de custo e de facilidade de abastecimento dos carros a etanol em comparação com os que são exclusivamente elétricos.

No caso dos carros híbridos a etanol, as vantagens são ainda maiores, afirma. Os híbridos são carros com motores elétricos movidos a baterias que são carregadas pela frenagem ou desaceleração do motor principal, a combustão. Os híbridos flex produzidos no Brasil podem usar etanol e gasolina. As baterias dos híbridos têm só 2% do peso das baterias dos carros exclusivamente elétricos.

Nastari avalia que as vendas de carros híbridos flex serão maiores no Brasil do que as dos exclusivamente elétricos até 2035.

Nastari é presidente da Datagro, consultoria especializada no agronegócio. Foi presidente do conselho da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva) de 2000 a 2002. Integrou o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) de 2016 a 2020.

O Brasil tem uma matriz de energia elétrica das mais limpas. Mesmo assim, a energia consumida por veículos elétricos vem, em parte, de fontes fósseis.

O etanol tem baixa emissão de CO2. Isso tende a cair ainda mais por causa da ganhos crescentes de eficiência na produção do combustível e no aprimoramento dos motores dos carros.

Eis o quadro atual das emissões de CO2 por quilômetro no Brasil:

  • 42 gramas – carro elétrico a bateria;
  • 38 gramas – carro a etanol;
  • 27 gramas – carro híbrido com etanol.

Outra tecnologia, ainda em desenvolvimento, que tende a tornar o etanol ainda mais eficiente é o hidrogênio. Há estudos para transformação de etanol em hidrogênio perto de postos de abastecimento, o que facilitará o uso dessa fonte de energia.

Nastari estima que será possível rodar por até 40 quilômetros com um litro de etanol transformado em hidrogênio. Hoje, chega a 17 quilômetros por litro em um híbrido com etanol.

A seguir trechos da entrevista:

Poder360 – Quais as perspectivas de aumento de vendas de carros elétricos e híbridos?

Plinio Nastari – Na Europa, nos primeiros 7 meses de 2024, houve uma alta de 12,1% na venda de eletrificados [incluindo os que usam só bateria e os híbridos] em relação ao mesmo período de 2023. Em julho de 2024, a venda total de veículos na Europa foi de 1,025 milhão de unidades. Dessas, 546 mil unidades, 53,3%, foram de veículos eletrificados. Houve aumento de 9,4% em relação a julho de 2023. Desse total de 546 mil unidades vendidas em julho, 334 mil foram veículos híbridos [com bateria que se regarrega na frenagem ou desaceleração do motor a combustão], um aumento de 24,3% em relação a julho do ano passado. Os veículos a bateria somaram 140 mil, uma redução de 6,4%. E os plugins híbridos [que também podem ser carregados na tomada] somaram 73 mil veículos, redução de 10,5%.

Mesmo nos países em que se está se observando a maior expansão de vendas de veículos eletrificados, há uma tendência de aumento da venda de híbridos. Isso está ocorrendo também nos EUA. No Brasil, no 1º semestre de 2024, as vendas de eletrificados representaram 7,35% das vendas totais, dos quais 2,9% foram de eletrificados a bateria. Os híbridos representaram 2,4% e os plugins, 2,1%. Ainda é um número bastante inferior ao que tem sido observado na Europa. Mas é bem superior ao que se observou em 2023, quando essas vendas totais de eletrificados representavam menos de 1%. Em alguns locais do país, os eletrificados a bateria têm apresentado uma penetração maior. Basicamente, por conta da disponibilidade de infraestrutura para recarga e de capacidade de compra desses veículos, que têm em média preço de aquisição mais elevado do que os veículos convencionais.

Também nos locais no mundo em que a venda de eletrificados já é muito mais elevada, começa a se observar um aumento de vendas de eletrificados híbridos. Nas grandes cidades brasileiras, a restrição de infraestrutura não é tão grave. Mas quando se pensa num veículo que precisa combinar a utilidade de operação na cidade e na estrada, a infraestrutura de recarga, no Brasil, em outros países, até nos EUA, passa a ser uma restrição. Existe já uma certa convergência nas declarações de líderes de montadoras, de especialistas na área automotiva, de que ainda deve predominar por algumas décadas a tecnologia híbrida, por conta da restrição de infraestrutura para recarga da energia em baterias, além do custo dessa tecnologia.

Quais as perspectivas de participação de carros exclusivamente elétricos no mercado brasileiro?

A estimativa é de que hoje o eletrificado como um todo represente entre 20% e 30% aqui no Brasil das vendas totais até 2035.  Provavelmente os eletrificados a bateria representarão uma parcela menor do que a de eletrificados híbridos e híbridos plugin.

É possível avaliar se nos próximos anos meses haverá um uma aceleração na venda dos exclusivamente elétricos como se viu na Europa e nos EUA?

Eu acho que a eletrificação em termos genéricos é uma tendência. O motor elétrico é mais eficiente do que o motor de combustão interna. No entanto, dentro da legislação que deverá ser atendida para atender normas de eficiência energética e ambiental para cada montadora, o que vai prevalecer é a combinação de eficiência energética e emissão de gases do efeito estufa dentro do critério que a legislação estiver adotando. Aqui no Brasil foi aprovada uma medida importante: a lei do Mover. Estabelece que a partir de 2027 as montadoras deverão atender medições sobre emissões de gases do efeito estufa dentro da avaliação do ciclo de vida [do veículo], o que significa medir as emissões desde a mineração dos metais relacionados à produção das autopeças e da montagem dos veículos.

Um veículo basicamente é composto de aço, alumínio e plásticos. Vai se levar em conta a mineração, dos minérios e dos e dos componentes que são usados para produção dos plásticos, grande parte derivados de petróleo; o transporte dessas autopeças até as montadoras e a montagem dos veículos; a operação durante um período de vida útil considerado em média 300 mil quilômetros; e o descarte do veículo. Essa é a avaliação do ciclo de vida. Ao aprovar essa legislação, o Brasil se coloca na absoluta vanguarda mundial em termos de legislação e de avaliação de eficiência energética ambiental para a área de mobilidade. Todos os outros países usam a régua mais básica, o conceito tanque a roda, simplesmente a medição das emissões de cano de escape.

Muitos países atualmente chegaram à conclusão de que caíram numa armadilha. Não adianta você ter a emissão de escape zero se você está usando energia queimando combustível fóssil para recarregar energia nesse veículo. Existe uma métrica intermediária entre o tanque a roda e o conceito berço ao túmulo: a avaliação do poço à roda, ou campo à roda. No caso de países que têm a possibilidade de utilizar combustíveis líquidos renováveis, a opção de motorização mais limpa é o híbrido movido a etanol. Nós já temos essa motorização aqui no Brasil, eu tenho um veículo nessa configuração. Emite 27 gramas de CO2 por quilômetro. A tendência dos veículos a etanol é reduzir ainda mais essa emissão. O etanol, tanto de cana quanto de milho aqui no Brasil, caminha na direção de emissão líquida zero ou negativa. É exatamente essa emissão negativa dentro de poucos anos que vai permitir o atingimento da emissão líquida zero até 2040 ou 2050 pelas montadoras. Essa emissão negativa durante a operação do veículo vai compensar a da fase inicial de mineração e produção do veículo e a fase de descarte.

Como isso se compara a um veículo elétrico a bateria aqui no Brasil?

Vamos falar 1º do motor de combustão interna flex. Quando esse veículo flex usa etanol, a emissão é 38 gramas de CO2 por quilômetro. Passa de 27 [no híbrido] para 38 no veículo flex convencional com motor de combustão interna. O Brasil tem uma matriz elétrica altamente renovável, de 93% do total. Pouquíssimos países têm uma matriz elétrica tão renovável. A nossa matriz geral [incluindo veículos com combustíveis fósseis] é 49,1% renovável. No mundo é 14,6% renovável. Em países da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico] é só 11,7%. Mesmo com uma eletricidade praticamente toda renovável, o veículo a bateria, na avaliação do poço à roda, em que não estamos levando em conta a emissão dos metais da mineração da construção das peças, inclusive das baterias, tem uma emissão de 42 gramas de CO2 por quilômetro. Portanto é um pouco mais do que o veículo convencional flex. Na Europa, a emissão de um veículo eletrificado a bateria [considerada a energia gerada predominante em usinas termelétricas] é 74 gramas por quilômetro. A emissão de um carro a combustão na Europa é 122 gramas. O Brasil está muito bem-posicionado porque, da frota de veículos leves, 86% são flex.

O projeto de lei do Combustível do Futuro [foi aprovado na Câmara e no Senado e voltou à Câmara] determina que a mistura de álcool na gasolina passe de 22% a 35%. É de 18% a 27,5% atualmente e se adota 27%. E o projeto de lei preconiza em curto prazo a adoção de 30%, que poderá chegar a 35%. Para o caso do biodiesel, desde março de 2024 estamos adotando 14%. A partir de março de 2025, subirá para 15%. Depois subirá 1 p.p. (ponto percentual) anualmente até chegar a 20% em 2030. Mas o projeto de lei já prevê que, mediante aprovação do CNPE, essa mistura poderá chegar a 25%.

O projeto de lei também preconiza a adoção de metas para biometano, muito importante porque substitui óleo diesel. Há metas para combustível sustentável de aviação. Deve começar com 1% de SAF em 2027, subindo 1 p.p. ao ano até chegar 10% em 2037. Determina também metas para uso do HVO, óleo vegetal hidrotratado, que também ajuda a substituir diesel. É importante porque o Brasil está importando ainda 14 bilhões de litros de diesel por ano e 2,7 bilhões de litros de gasolina apesar de todo etanol que é consumido. Esse projeto ao ser sancionado e se tornar lei vai criar marcos legislativos que vão continuar a estimular a expansão do uso de bicombustíveis no Brasil.

A eficiência do motor a etanol poderá aumentar?

O motor a etanol pode ganhar eficiência com taxa de compressão mais elevada que a atual. A equivalência [de rendimento] entre álcool e gasolina [em aproximadamente 70% hoje] pode chegar a 90%, a 92%. O problema é que ninguém sabe que etanol é limpo e bom para a saúde. Etanol substitui componentes cancerígenos [da gasolina], não tem enxofre, não tem material particulado. São Paulo não é como Delhi, na Índia [em poluição], por causa dos biocombustíveis.

A regulamentação do Combustível do Futuro é suficiente?

A tecnologia muda, a inovação é constante. Então é importante que a política pública não eleja campeões. Não eleja soluções tecnológicas. O que a regulação deve preconizar é a meta que se pretende atingir. O Brasil está fazendo isso com neutralidade tecnológica. A vantagem que o Brasil conquistou, diferente do que existe em outros países, é a avaliação da intensidade de carbono da produção da energia. O mundo inteiro mede intensidade de carbono por pathways, rotas em português. No Brasil, a intensidade de carbono é avaliada e certificada em nível individual. É o passaporte para que os combustíveis limpos possam ser produtos de mais alto conteúdo tecnológico.

Qual a possibilidade de expansão do híbrido flex em outros países?

A Índia já está utilizando tecnologia híbrido flex brasileira. Outros países estão indo nessa direção, na América Latina e Ásia. A Indonésia está muito interessada.

Qual a sua avaliação sobre as possibilidades de crescimento do uso dos carros movidos a hidrogênio?

Essa é uma tecnologia disruptiva. Na USP [Universidade de São Paulo], há um programa fazendo a separação do hidrogênio contido no etanol e a utilização desse hidrogênio em ônibus e veículos leves de passageiros. O problema do hidrogênio é armazenar, transportar distribuir. Tem tanques de alta pressão de 500 a 900 Bar [1 Bar é uma atmosfera ao nível do mar]. É caro porque precisa ter um tanque de titânio, capaz de resistir a essa alta pressão. O ideal é usar o hidrogênio perto de onde é produzido.

O etanol é um grande carregador de hidrogênio, tem um conteúdo de hidrogênio muito elevado. O Brasil já tem um sistema de distribuição de etanol. Significa que o país já tem uma rede instalada de distribuição de hidrogênio. É possível fazer a separação de hidrogênio do etanol lá na ponta, no posto abastecimento. Não é preciso armazenar, transportar, distribuir hidrogênio. Isso é feito com etanol e próximo do ponto de consumo. Não precisa de uma pressão tão alta. A eficiência do etanol é de 8 a 9 quilômetros por litro no veículo convencional, no motor de combustão interna; de 13 a17 quilômetros por litro no híbrido a etanol; e, no caso da transformação de etanol em hidrogênio, vai para 35 a 40 quilômetros por litro. Já existem testes e iniciativas nessa direção.

Fonte: Poder 360

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