Regra prevista na reforma tributária para transporte de passageiros pode resultar em alta das passagens, diz confederação
A CNT (Confederação Nacional do Transporte) defende que o transporte intermunicipal e interestadual de passageiros, enquanto serviço, tenha uma alíquota reduzida em 60%. A entidade pontua que, a depender de como fique a cobrança, pode haver aumento de passagens para o consumidor. O tema é tratado no âmbito da regulamentação da reforma tributária. Modais urbanos coletivos, por exemplo, foram beneficiados com imposto zero.
A tributação desses meios de transporte é tratada, dentre diversos outros temas, pelo PLP (Projeto de Lei Complementar) 68/2024. Depois da aprovação na Câmara dos Deputados, em julho, o texto está no Senado, onde o debate continua.
Pelo que foi aprovado na Câmara, o imposto para transportes rodoviários, hidroviários ou ferroviários realizados entre cidades e Estados será definido com base nos tributos de consumo que incidiam de janeiro de 2017 a dezembro de 2019.
O percentual desses valores seria dividido pela soma das alíquotas dos tributos criados pela reforma tributária, IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), chegando ao resultado a ser aplicado.
Atualmente, o transporte intermunicipal e interestadual é tributado a nível federal pelo PIS (Programa de Integração Social) e pelo Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), que incidem sobre o faturamento das empresas. Essa cobrança é cumulativa e fica em torno de 3,65%, conforme explicou Alessandra Brandão, consultora da CNT e advogada tributarista. Segundo a especialista, existe também a opção de recolhimento de impostos federais sobre o lucro real das empresas, modelo menos utilizado no país.
Há ainda a tributação estadual, definida pelo ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Neste caso, a alíquota média é 18%. Contudo, o transporte tem a concessão de um benefício fiscal conhecido como crédito presumido de ICMS. “Alguns Estados isentam o transporte intermunicipal. Temos o exemplo de Minas Gerais, Rio de Janeiro… Existem benefícios que reduzem a carga atual”, disse Brandão.
Gerente-executiva de Poder Legislativo da CNT, Andrea Cavalcanti explica que o novo modelo, proposto pela legislação em análise no Congresso Nacional, pode criar distorções.
Ela diz que, considerando um IVA (Imposto sobre Valor Agregado, junção do IBS e do CBS), estimado em 26,5%, o ideal para o transporte intermunicipal e interestadual coletivo de passageiros seria uma redução de alíquota de no mínimo 60%. Além da concessão de 100% de crédito tributário. Ou seja, além do desconto na alíquota, o crédito –dispositivo que evita o acúmulo de impostos na cadeia produtiva– seria cheio.
“Fizemos diversas simulações e com a redução da alíquota mais os créditos teríamos uma equalização que não aumentaria a carga tributária, mantendo o setor com a alíquota paga atualmente”, afirmou Cavalcanti.
A CNT acredita que o transporte entre Estados e municípios de passageiros, como serviço, deve ter tratamento semelhante ao coletivo urbano. O texto que regulamenta a reforma tributária aponta que o rodoviário e o metroviário urbano, semiurbano e metropolitano terão isenção de IBS e CBS quando funcionarem sob regime de autorização, permissão ou concessão pública. Já para os modais ferroviário e hidroviário urbano, semiurbano e metropolitano, as alíquotas do IBS e da CBS terão redução de 100%.
Andrea destaca que a carga tributária mais alta para interestadual e intermunicipal levaria a passagens mais caras para o consumidor e poderia acarretar um crescimento da ilegalidade. “As empresas terão de repassar esse custo, tornando o transporte mais caro para o cidadão. As pessoas, muitas vezes, poderão ter que optar entre a segurança e gastar menos. Essa escolha por gastar menos é perigosa para o passageiro e ruim para o setor como um todo”, afirmou.
Além das regras para rodoviário, hidroviário ou ferroviário, o transporte aéreo regional já tem previsão de redução de alíquota em 40% em voos com origem ou destino para as capitais regionais, centros sub-regionais, centros de zona ou centros locais e para a Amazônia Legal. A regulamentação desses destinos ficará a cargo do MPor (Ministério de Portos e Aeroportos).
Leia mais sobre as regras de tributação para o setor de transporte no infográfico.
Equidade nas regras
Outro ponto defendido pela CNT é que o fretamento seja enquadrado nas mesmas regras do transporte coletivo urbano na regulamentação da reforma tributária. O modelo é muito utilizado no Brasil e funciona de duas formas distintas: contínua, que atende empresas, grandes corporações e Forças Armadas nos horários em que os ônibus regulares do transporte público não operam; e eventual, destinado principalmente para o turismo e grandes eventos culturais.
No PLP 68/2024, não há regulação específica para o transporte por fretamento, ficando o serviço sujeito à alíquota cheia do IVA, estimada em 26,5%. Atualmente, esse modelo está regido sob as regras do ICMS a nível estadual e PIS e Cofins a nível federal.
Ao solicitar a inclusão desse modelo nas mesmas regras dos transportes, a CNT busca, além de evitar aumento da carga tributária, incentivar o setor. “O pessoal que trabalha no Porto de Suape (PE), por exemplo, pega transporte em Recife de madrugada, às 3h. É a única forma dessas pessoas se deslocarem até os locais de trabalho”, disse Cavalcanti.
O setor de transporte preocupa-se ainda com outros pontos que podem impactar as categorias, como manter a não-cumulatividade, um dos princípios da reforma. “De forma objetiva, estamos trabalhando para a manutenção dos princípios básicos aprovados na emenda constitucional 132/2023 (que cria a reforma com alterações no sistema tributário), principalmente a não-cumulatividade ampla e irrestrita”, reforça o presidente da CNT, Vander Costa.
O IS (Imposto Seletivo) sobre bens minerais, dentre os quais petróleo e gás, por exemplo, afeta um insumo primordial da atividade, o combustível. O recurso corresponde a 30% a 40% das despesas das empresas de transporte, de acordo com a CNT, e a cobrança pode criar uma cumulatividade. A tributação especial foi criada para produtos considerados danosos à saúde ou ao meio ambiente.
Demais questões da reforma tributária pelas quais a CNT deve atuar no Senado:
- Equilíbrio nos contratos de longo prazo: muitos contratos das atividades do setor de transporte são firmados com prazos em torno de 30 anos, em contextos e condições específicas. Um dos pleitos da CNT é que os valores desses acordos já em andamento sejam mantidos até o final da transição da reforma tributária, que vai de 2026 a 2033. “A ideia é que, durante a transição, os contratos permaneçam como estão e que, após a transição, sejam ajustados. Não conseguimos manter a carga tributária atual daqui a 30 anos, após passar por 10 anos de transição”, afirmou Brandão.
- Pagamento dos tributos como condição para o creditamento, o split payment: neste modelo proposto pela reforma tributária, o recolhimento de impostos acontece no momento da venda de determinado produto, de forma automática. O questionamento da CNT é de que isso pode criar uma antecipação no recolhimento de tributos de valores ainda não debitados, uma vez que muitas notas são faturadas meses após a comercialização dos produtos.
Articulação contínua da confederação
A CNT atuou em todas as etapas de discussão da regulamentação da reforma tributária. Durante o debate dos grupos de trabalho do Executivo sobre a matéria, em janeiro, participou de reuniões virtuais que abordaram o transporte de passageiros. Depois, a confederação e suas associadas deram contribuições em grupos de trabalho das frentes parlamentares.
Já na apreciação do PLP 68/2024, enviado pelo Executivo ao Congresso, a entidade fortaleceu ainda mais o diálogo com o Legislativo, fazendo encontros com lideranças da Câmara e audiências com o grupo de trabalho que tratou do projeto de lei.
Após muito debate e articulação, dentre as solicitações da CNT, os deputados federais aprovaram que a concessão de crédito tributário na compra de combustíveis para insumos fosse automática. Na 1ª versão do texto, constava a necessidade de homologação pelo Conselho Gestor do IBS e do CBS ou pela Receita Federal para liberação do benefício.
“O creditamento imediato, sem condicionamento à homologação da Receita Federal e do Comitê Gestor, é de absoluta relevância para os transportadores, já que os combustíveis respondem por cerca de 30% dos custos das empresas. Portanto, essa é uma importante vitória”, disse o presidente Costa.
As articulações da confederação também culminaram na continuidade do Reporto (Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária) e do Reidi (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura), outro ponto considerado essencial pelo setor.
O Reporto permite a importação de máquinas, equipamentos, peças de reposição e outros bens com a suspensão do pagamento dos tributos federais, caso sejam usados na modernização e ampliação da estrutura portuária e do setor ferroviário.
Já o Reidi desonera a implantação de projetos de infraestrutura para destravar investimentos em obras nos setores de transporte, portos, energia, saneamento básico e irrigação. “O atendimento a esse pleito é fundamental para garantir os investimentos em infraestrutura, tecnologia e outros aspectos dos portos e das ferrovias”, afirmou Costa.
Exportações de produtos
Outra questão importante para o setor foi a concessão de isenção tributária para o transporte de cargas realizado no Brasil com destino à exportação. O texto original, enviado pelo Executivo à Câmara, mencionava isenção apenas para contratações feitas fora do Brasil. O que significava que as empresas nacionais que transportassem com fins de exportação dentro do país seriam taxadas.
Foi feito um diálogo da CNT com o Ministério da Fazenda, o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), a Receita Federal e o Congresso, e se construiu uma espécie de novo regime especial, similar ao drawback (incentivo fiscal à exportação). Mais amplo, o regime abrange todos os serviços de transporte para exportação de produtos.
“Esse avanço é crucial para nós, porque o setor de transporte de cargas não possui nenhum tipo de isenção ou alteração na sua alíquota prevista no texto”, disse Andrea Cavalcanti.
A articulação da CNT trabalhou ainda para retirar os caminhões, responsáveis por 65% do transporte por via terrestre no Brasil, segundo a entidade, da lista de veículos tributados com o Imposto Seletivo.
A entidade apontou os possíveis prejuízos para a logística nacional, além de eventual aumento no valor do frete com possibilidade de alta na inflação. Na versão final do PLP 68/2024, os caminhões foram retirados da cobrança adicional de impostos.
Próximos passos da reforma tributária
O PLP 68/2024 trata das regras gerais dos tributos IBS, CBS e IS. Aprovado em 10.jul.24 na Câmara dos Deputados, o texto agora tramita no Senado, com relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM), mas pode retornar para análise dos deputados caso tenha alteração na Casa Alta. Se não houver mudança, segue direto para sanção presidencial.
Há ainda um outro PLP que regulamenta a reforma e é de autoria do Executivo, o 108/2024. O projeto aborda a tributação de Estados e municípios sobre consumo e propriedade. O texto principal já recebeu aprovação na Câmara dos Deputados, faltam os destaques. Caso seja integralmente aprovado, o PLP 108/2024 segue para o Senado.
A regulamentação da reforma tributária depende ainda da apresentação de projetos de lei que tratem das alíquotas dos bens afetados pelo IS e dos tributos sobre heranças. Essas pautas devem ser apresentadas em 2025.
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