Um tribunal de La Paz iniciou, nesta quinta-feira (17), o julgamento criminal contra a ex-presidente boliviana Jeanine Áñez, por supostamente planejar um “golpe de Estado” em 2019 contra o então presidente Evo Morales.
Algemada e usando colete à prova de balas, Áñez foi levada para a corte saindo da prisão em La Paz onde cumpre sentença de 10 anos de prisão desde 2022 por assumir a Presidência de maneira inconstitucional.
“Não foi golpe, foi fraude” eleitoral de Evo Morales, gritou a ex-mandatária de 57 anos ao sair da prisão.
Junto com ela, serão julgados o ex-governador de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho, e mais seis pessoas, incluindo ex-ministros, ex-comandantes militares e policiais e um líder social.
Do lado de fora do tribunal, fortemente protegido pela polícia, cerca de vinte pessoas se manifestaram contra os acusados.
“Esses golpistas devem receber a máxima sentença pelo golpe e pelos massacres de civis”, afirmou o dirigente camponês Esteban Alavi.
O Ministério Público (MP) acusa Áñez e os demais réus de “terrorismo, associação criminosa e uso indevido de influências”, em razão dos violentos protestos que forçaram a renúncia de Morales em 2019.
A oposição o acusou na época de cometer uma suposta fraude nas eleições em que buscava um terceiro mandato.
O MP pede penas entre 15 e 20 anos de prisão para os acusados, de acordo com o grau de participação em “terrorismo”, acusação mais grave que lhes é imputada.
Camacho é acusado como autor deste crime e Áñez, como cúmplice.
Segundo o MP, a atuação deles configurou “a ruptura da ordem constitucional e a saída prematura do governo” de Morales.
Em novembro de 2019, Áñez, senadora da oposição, assumiu a presidência da Bolívia dois dias depois de Morales e seu então vice-presidente, Álvaro García, renunciarem em meio a convulsões sociais.
Morales começou a governar em 2006. Foi reeleito em 2009, 2014 e 2019, quando buscou um quarto mandato até 2025.
“Fantasioso, ilegal, uma farsa”
Áñez, que permaneceu na Presidência por um ano, descreveu nesta semana o julgamento denominado “Golpe de Estado I” como “ilegal, fantasioso” e uma “farsa”.
Na sua opinião, o partido no poder decidiu prendê-la sem “nenhuma prova de nada”.
Ela também rejeita o julgamento criminal ordinário e solicita que, na qualidade de ex-presidente, o principal tribunal do país examine o seu caso, com autorização prévia do Congresso.
A ex-presidente de direita enfrenta vários outros processos, todos relacionados com a crise de 2019, como o massacre de civis em Senkata (El Alto) e Sacaba (Cochabamba), que deixaram cerca de 20 mortos na repressão militar que se seguiu à mudança de governo.
O julgamento contra Áñez recebeu desde o início o apoio determinado do governo do presidente Luis Arce e Morales.
No entanto, a amarga disputa entre os dois pela candidatura presidencial do partido no poder nas eleições de 2025 poderia afetar o processo judicial.
Um tribunal em El Alto ordenou que Morales prestasse depoimento como testemunha por suposta manipulação política do processo contra Áñez.
O ex-presidente permanece resguardado na região cocaleira do Chapare, onde tem a sua base política, devido à possibilidade de o Ministério Público ordenar a sua prisão.
Morales está sendo investigado por estupro, tráfico e contrabando de pessoas, após o suposto abuso de uma menor de 15 anos com quem, segundo a acusação, teve uma filha em 2016.
O líder indígena, que rejeita o processo como “mais uma mentira”, acusa Arce de orquestrar sua possível prisão.
Gustavo Flores-Macías, pesquisador da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, disse à AFP que a Justiça boliviana está imersa em altos e baixos políticos.
O sistema judicial encontra-se agora “com um nível mais elevado de manipulação política” em comparação com outros na região, observou.