Ao Poder360, Jerome Cadier elenca os caminhos que o setor aéreo deve perseguir até uma maior oferta do combustível sustentável
O SAF (Combustível Sustentável de Aviação) é entendido pelo setor aéreo global como a única alternativa a longo prazo para descarbonização desse modal de transporte. O problema é que a produção do combustível ainda engatinha e é capaz de atender cerca de 1% da demanda das companhias de aviação comercial. O preço também é um empecilho, pois o SAF é comercializado a um custo até 4 vezes mais caro que o QAV (Querosene de Aviação), que é hoje o principal combustível usado pelas empresas.
Diante desse cenário e com a oficialização de metas estabelecidas na lei do Combustível do Futuro para as companhias aéreas reduzirem suas emissões –1% ao ano a partir de 2027 até alcançar 10% em 2037–, o CEO da Latam no Brasil, Jerome Cadier, apresentou ao Poder360 caminhos intermediários que as empresas e as autoridades regulatórias podem perseguir para alcançar uma redução das emissões de carbono até que a oferta de SAF decole.
Segundo o executivo, o setor já encontrou alternativas para reduzir as emissões, mas o cenário no Brasil ainda apresenta um certo atraso, em especial na regulação de um mercado de crédito de carbono. Cadier disse que essa é uma das opções mais viáveis para descarbonizar o setor até o momento, mas falta criação de um selo ambiental para garantir às empresas que o crédito para compensação de carbono esteja sendo utilizado para preservação ambiental.
Hoje as empresas podem oferecer aos seus clientes a opção de pagar um valor a mais para compensar as emissões do voo. A companhia então entra com esse mesmo valor pago pelo cliente, dobrando o montante total, para repassar a uma entidade ambiental que esteja realizando um trabalho de preservação ambiental. Contudo, não existe um mecanismo que dê segurança para o destino desse dinheiro, o que desperta insegurança nas companhias que dependem dos passageiros “acreditarem”.
“O problema é que não existe uma certificação no Brasil de que o projeto esteja preservando o equivalente da emissão de carbono, ou absorvendo essa quantidade de carbono do ambiente. Acaba sendo na confiança, não há garantia, diferente da Europa e da Colômbia”, declarou Cadier. O CEO afirmou que a Latam estuda o lançamento de um programa de créditos de carbono, mas ainda espera pelo mecanismo que dê segurança à empresa e aos clientes. “Poderia ter um projeto próprio? Poderia, mas falta uma certificação que dê segurança”.
Outra forma de acelerar a descarbonização do setor é a renovação da frota de aviões. Cadier disse que um avião novo gasta em média 20% menos combustível do que uma aeronave de geração anterior. Com uma aeronave mais eficiente, o gasto de combustível diminui e consequentemente as emissões.
A troca da frota esbarra na oferta de aviões no mundo e da saúde financeira das empresas para adquirir novos modelos, mas é uma estratégia em curso em quase todas as companhias aéreas do mundo. No Brasil, esse cenário é mais complexo pois as empresas que operam no Brasil ainda enfrentam dificuldades financeiras para sanar as contas acumuladas desde a pandemia de covid-19.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) articulou a flexibilização dos recursos do Fnac (Fundo Nacional de Aviação Civil) para as empresas aéreas utilizarem como garantia em operações de crédito junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para modernização da frota. Na avaliação de Cadier, no entanto, as empresas não podem depender apenas do fundo, pois os recursos do Fnac são escassos.
O governo estima disponibilizar cerca de R$ 5 bilhões para as empresas. Cadier estimou que cada uma das 3 grandes no Brasil –Latam, Azul e GOL– devem abocanhar R$ 1 bilhão cada, mas o preço de 1 avião comercial é superior a R$ 500 milhões. Ou seja, se a estratégia da companhia for de comprar um avião mais moderno, no máximo conseguirá 2.
“Vamos dizer que sobre R$ 1 bilhão para cada companhia aérea, isso é US$ 200 milhões. Sinceramente não é isso que vai fazer a diferença de forma radical em acelerar a conversão da frota. Eu acho que o Fnac pode ajudar as companhias a crescer, a trazer aviões, mas sair com R$ 1 bilhão agora eu vou ter um monte de empresas me oferecendo aviões porque está faltando aviões no mundo inteiro”, declarou.
Cadier disse que uma alternativa que a Latam aposta é na inovação tecnológica de softwares para economizar combustível. O CEO declarou que a Latam utiliza desde 2022 um programa para indicar aos pilotos o momento mais eficiente de iniciar a descida do voo para forçar o mínimo possível os motores e reduzir o uso de combustíveis.
Outra inovação que a Latam vem articulando junto ao Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) é a otimização das linhas de voo. A lógica é aproximar o trajeto do voo o mais próximo possível de uma linha reta, também para reduzir o consumo de combustível.
“Existe uma coisa chamada “rota ótima”, desviar o menos possível de uma linha reta entre aeroportos. Aqui no Brasil a gente desviava dessa rota ótima em 8%, mas estamos nos aproximando do patamar norte-americano de 2%. Conseguimos baixar um pouquinho, para 6%, mas como a gente faz isso? Redesenhando as avenidas do céu, como você conecta as cidades em linha reta. Todas essas coisas ajudam a reduzir o consumo de combustível e as emissões”, disse Cadier.
POTENCIAL BRASILEIRO DE SAF
Em um estudo feito em parceria com o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e a Airbus, a Latam identificou que o Brasil e o continente sul-americano no geral tem potencial para se tornar referência na produção de SAF no planeta, mas que os governos do continente precisam se unir em uma regulação conjunta para viabilizar um comércio entre os países e a produção do combustível. Leia a íntegra do estudo (PDF – 845 kB, em inglês).
“A gente viu que, no mundo, o Brasil tem uma posição privilegiada para produzir SAF a preços competitivos, mas precisamos de uma integração com o continente sul-americano para ganhar escala. Temos que fazer um plano de continente”, declarou.
Cadier disse que a estruturação para uma produção nacional de SAF ainda não deslanchou e nem conversas entre os países para definição de regras de produção e comercialização entre si. “Temos que fazer um plano de continente, se o Brasil produzir SAF para o Brasil e Argentina você ganha escala, para que criar regras diferentes para de país para país?”, disse o executivo. “Ainda não existe esse plano de como isso vai evoluir nem no Brasil quanto mais para a região, existe uma oportunidade e uma necessidade, isso claramente existe”.
Os EUA são o país com a maior infraestrutura para refino de SAF no mundo, mas Cadier apontou para um aspecto “contraditório” da produção norte-americana. O CEO declarou que o Brasil já faz parte da cadeia de produção de SAF, mas exportando produtos para serem refinados fora do país. Ou seja, o insumo é transportado longas distâncias para outro continente, o que por si só demanda um frete que encarece a produção e emite gases poluentes na realização do transporte.
Para Cadier, faria mais sentido articular com as empresas dos EUA o refino em solo brasileiro e que o SAF feito com produtos do Brasil seja utilizado por companhias brasileiras, evitando assim a emissão de gases para o transporte dos insumos aos EUA. Cadier declarou que as companhias aéreas estrangeiras que investiram na tecnologia recebam créditos.
É um sistema chamado “book and claim”, que permite que as companhias aéreas compensem emissões de poluentes através da compra de créditos vindos da utilização de SAF por outras empresas do setor.
“Ao invés de levar o combustível até a Califórnia, esse SAF pode ser produzido no Brasil para abastecer uma aérea aqui. A companhia norte-americana receberia então um crédito de compensação desse gasto”, disse Cadier.