Eduardo Cunha | Governo no cassino e na jogatina

Pessoas endividadas por causa de apostas recorrem ao "mercado paralelo" de crédito; na foto, o "Jogo do Tigrinho", disponível nas principais casas de apostas que operam no país

O único objetivo da atual administração é arrecadar, pouco se preocupando com os malefícios da jogatina

Certamente hoje, você, leitor, estaria esperando um comentário sobre as eleições que ocorreram no domingo (6.out.2024), cujo resultado merecerá diversas observações da situação política, como a eleição de São Paulo, a derrota retumbante que o PT levou no país, já clara desde o início do processo eleitoral, além do prenúncio do que poderá vir nas eleições de 2026.

É claro que ainda restará o 2º turno, em que poucas surpresas virão, mas sempre alguma poderá aparecer.

Mas eu vou preferir me dedicar a esse tema no próximo artigo para dar tempo de avaliação mais detalhada de todas as nuances da eleição, deixando de lado o imediatismo da análise, que, aliás, já tem sido feita por aí, pelos analistas de poltrona.

Quero me dedicar hoje a um tema tão importante quanto a eleição, justamente pelo fato de o Congresso retomar alguma normalidade nesta semana, podendo se debruçar sobre o assunto.

Eu quero falar do grave problema que a jogatina está causando no nosso país. Não podemos fechar os olhos para isso.

Não adianta agora o governo querer culpar Jair Bolsonaro (PL) por supostamente ter atrasado uma regulamentação, que simplesmente não deveria ter vindo.

Ao contrário, um grande mérito de Bolsonaro foi o de ter impedido no seu governo que se regulamentasse uma medida aprovada anteriormente pelo Congresso, que liberava uma parte dessa jogatina.

Bolsonaro com isso se mostrou contrário ao jogo, e não contrário à regulamentação.

No governo Lula aconteceu o pior: regulamentou-se de forma muito liberal para o jogo, visando única e exclusivamente a sanha arrecadatória de uma administração que só pensa em manter elevado os gastos, custe o que custar para a população.

A jogatina era um pretexto ótimo. Não há aumento de impostos para a economia, aumenta a arrecadação e ainda tenta passar uma imagem de repressão ao jogo por meio de tributos.

Só que na prática foi o liberou geral.

Até o “tigrinho” foi liberado. Vem aí em breve os novos cassinos. 

Qual a consequência disso?

No último ano, segundo dados divulgados no Poder360, 22% da renda das famílias foi gasta em apostas. No 1º semestre, 1,3 milhão de brasileiros tinham dívidas em atraso por causa dos cassinos on-line.

Parte dessas dívidas é causada pela utilização de cartões de crédito para as apostas, prática que agora tentam impedir.

Esse impacto negativo fará com que o crescimento do varejo em 2024 caia, segundo projeção da CNC (Confederação Nacional do Comércio).

O Brasil já movimenta R$ 120 bilhões por ano com a jogatina, algo como 1% do PIB. Perde apenas para Inglaterra e Estados Unidos, sendo que o número cresce de forma rápida.

Ainda tem o povo do Bolsa Família, que teria apostado R$ 3 bilhões em agosto na jogatina –dinheiro pago pelos contribuintes brasileiros. Corresponde a 21% do dinheiro público investido no programa, além de cerca de 30% do total anual do movimento da jogatina, caso esse gasto se repita nos meses seguintes.

A jogatina está sendo usada por adolescentes, que buscam agiotas para financiar a dívida.

O baque que isso está dando na economia como um todo é gritante, acabando sendo um verdadeiro tiro no pé da arrecadação do governo.

Ao mesmo tempo em que recebe tributos das empresas de jogatina, o governo vai perder na atividade econômica, provocando queda de produção, de empregos, de renda e de arrecadação de tributos generalizadamente.

Isso está afetando inclusive a balança de divisas do país, já que a rubrica que engloba as bets, junto de criptoativos, foi responsável pela saída de US$ 14,7 bilhões de divisas, de janeiro a agosto de 2024, montante correspondente a 30% do resultado líquido da conta financeira do período, que correspondeu a um fluxo negativo de US$ 48 bilhões.

É óbvio para qualquer um que entende de economia, que existem certas atividades, mesmo que bem tributadas, que tiram a força de consumo da economia.

O jogo em nada difere do consumo de drogas. Só falta agora o governo querer liberar as drogas e tributar, achando que aumenta a arrecadação.

Essas atividades de jogo, droga e afins causam grande malefício à população, destroem as famílias pelo vício, pelo endividamento e pela busca insana de solução mágica dos problemas financeiros pela sorte no jogo.

Vamos deixar os mais humildes gastar o dinheiro do leite das crianças, em jogo, para o sonho de alguns tentarem sair da miséria.

O efeito não é muito diferente da cachaça, também muito consumida com dinheiro do Bolsa Família. Daí vem a pergunta: será que está correta a forma como a miséria está sendo combatida?

Não parece discrepante o aumento do nível de emprego, mas sem aumento de carteira assinada, com emprego informal?

Nós temos além do custo trabalhista e previdenciário elevado para o emprego, o fato de pessoas que recebem Bolsa Família não terem emprego com carteira assinada, quando o salário ultrapassar o limite permitido.

Agora mesmo na campanha eleitoral, assisti no Rio à dificuldade de candidatos contratarem mão de obra, para serem pagas com o fundo eleitoral porque as pessoas não podiam receber –pois estão no Bolsa Família.

Ou seja, contratar mão de obra virou obrigação de ser em caixa 2 por causa do Bolsa Família. Alguma coisa está errada.

Ou o programa não está correto, ou não é necessário no tamanho que está.

Programas dessa natureza visam a suprir as necessidades de pessoas carentes, sem emprego ou renda, e tem de ter uma porta de saída. Não podem simplesmente se transformar em um salário constante, para remunerar o não trabalho, fazendo com que as pessoas busquem emprego sem registro, para não perderem o salário eterno ou a aposentadoria antecipada.

Se o objetivo for o de garantir uma renda mínima, como parece ser, que se defina melhor a forma pela qual, a renda seria atingida, para evitar o que está ocorrendo.

O que não se pode é estabelecer, às custas de todos os brasileiros, um prêmio para o emprego informal, que além de tudo prejudica a arrecadação da contribuição previdenciária, que custeia as aposentadorias do país.

Agora, o pior de tudo é permitir a utilização de recursos recebidos do Bolsa Família em bebida alcóolica e na jogatina.

Isso não parece ser o que governo pensa, pois a própria ministra de Direitos Humanos, Macaé Evaristo, veio a público declarar que proibir o uso do benefício do Bolsa Família em sites de jogos não resolve o problema. 

O que será que resolve então?

Até porque se os beneficiários gastam o recurso dessa forma:

  • ou não precisam do recurso;
  • ou não tem noção do sacrifício da sociedade para proporcionar essa renda aos mais necessitados.

O governo deveria simplesmente cortar do programa quem comprovadamente se utilizou do programa para finalidade diferente. Não pode se ter nenhuma dúvida, que algo tem de ser feito urgentemente.

Só que o governo parece não pensar assim. Após uma reunião convocada por Lula para tratar do tema, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, preferiu dizer que se deve investigar o uso de CPF de pessoas do programa do Bolsa Família em lavagem de dinheiro, pedindo investigação da PF sobre isso.

Como estariam usando falsamente o CPF de pessoas do programa se a jogatina está sendo feita com o cartão de débito dessas pessoas do próprio programa?

O governo parece querer nada fazer, mantendo a situação, talvez pela sua posição de ser favorável a jogatina, pois se existe o uso fraudulento de CPF, isso jamais impediria o ato de bloquear a utilização do cartão do benefício, que se aplicaria a utilização sem dúvidas pelo beneficiário do programa.

Além do que se houver tentativa de lavagem de dinheiro, e realmente deve ocorrer, seria completamente diferente do exposto pelo ministro, pois a lavagem serviria para legalizar dinheiro sujo aplicado no jogo com o ganho eventual da jogatina servindo de renda para quem estivesse fazendo lavagem.

Eles parecem não compreender que lavagem se trata de legalizar recursos obtidos por meio de algum crime.

Lavagem não é gastar recursos em nome de laranjas, até porque qual a vantagem que se teria de jogar em nome de um laranja e nem poder receber o prêmio?

Com certeza, a possibilidade de lavagem de dinheiro é um dos grandes problemas de se permitir a jogatina, com pessoas querendo simular ganhos em jogos, para legalizarem os seus recursos obtidos de forma ilícita.

Quem não se lembra do episodio dos “anões do orçamento”, da compra dos bilhetes de loteria premiados?

Voltando ao jogo, o Congresso deveria agir para rever a posição favorável à liberação da jogatina.

Antes ficavam achincalhando os evangélicos, dizendo que a bancada evangélica era contra por questões religiosas, mas não era isso.

O problema é que as igrejas enfrentam as consequências dos malefícios dos vícios de uma maneira geral, sendo que no caso do vício do jogo, isso afeta a vida, renda e estabilidade das famílias.

Talvez tenha faltado alguma pesquisa mais profunda sobre os problemas causados pela jogatina. O Congresso caiu simplesmente no conto de Fernando Haddad, de aumento da arrecadação, para diminuir o deficit público, oriundo da receita de jogo.

Tudo isso sem fazer a conta do custo para a sociedade desse vício, até porque a arrecadação não cobre as perdas.

O governo vinha com um discurso de que tinham de fazer essa regulamentação porque os sites de apostas já existiam, muitos sediados no exterior, sendo que o jogo ocorria, e o governo nada ganhava.

Agora, depois que regulamentaram, o governo divulga que vai bloquear os sites que não estão regularizados, ou seja, os que não estão pagando impostos.

Se o governo consegue bloquear esses sites agora, por que não bloqueava antes, quando ainda não tinham regularizado?

Simplesmente o governo não bloqueava porque o que queria era cobrar tributos, mas jamais impedir a jogatina. O governo Lula era favorável à jogatina.

Se não fosse, teria bloqueado todo mundo, não somente agora que bloqueia quem não quer pagar imposto ou simplesmente não paga pela licença para operar no país.

Ainda aproveitam o momento, que as pessoas estão cobrando uma atitude pela constatação dos malefícios da jogatina, para divulgarem o bloqueio dos sites irregulares como se fosse uma atitude de combate ao jogo, quando, na realidade, o bloqueio é simplesmente de combate à sonegação.

Está clara a opção do governo de preferir arrecadar de qualquer forma do que cortar despesas para reduzir o seu deficit, sem contar a dívida pública estar no seu mais alto patamar da história, sendo em agosto o correspondente a 78,6% do PIB.

Só que essa opção tem de ser feita de maneira inteligente, já que arrecadar mais com jogatina inclui perder arrecadação na economia em geral, perder empregos, perder renda, provocar problemas sociais, necessitando inclusive de patrocínio de programas de tratamento dos vícios, bem onerosos.

A jogatina, mais conhecida hoje como as bets, trocou de nome e de roupa, mas continua deixando a população exposta sem maturidade para enfrentar esse problema.

Proibir a publicidade simplesmente não resolve o problema, apenas não torna pública o excesso de empresas empreendedoras da jogatina.

O governo está apenas preocupado que a publicidade só seja permitida pelas empresas que pagaram a licença para que isso facilite a legalização das demais, pois ficam sem acesso a publicidade.

Volto a repetir: o objetivo único do governo é arrecadar, pouco se preocupando com os malefícios da jogatina.

O futebol foi invadido pelas bets, tornando a atividade esportiva secundária, estimulando inclusive a corrupção, pois já surgem exemplos de manipulação de resultados ou de apostas, visando ao lucro, prejudicando o espírito esportivo.

Essa jogatina desenfreada no país, que no passado ia do jogo do bicho às loterias da Caixa, ganhou uma dimensão de gigantes da economia.

Afinal, qual produto consegue absorver 22% das rendas das famílias do país?

Esse percentual deveria ser para pagamento da casa própria, para alimentação da família, para educação dos filhos, mas jamais para jogatina ou para as bets, como modernamente querem chamar.

Tomar mais que 22% da renda das famílias, só o Haddad com os impostos que cobra e que quer aumentar a cada dia para financiar a gastança de programas políticos como o tal PAC –que nunca foi a lugar algum e não tem retorno para a sociedade.

Seria bom que vissem o que o resultado das eleições de ontem está dizendo para que repensassem essa forma de fazer política, se utilizando da gastança de dinheiro público, no aumento de gastos do Bolsa Família, sem controle de impedir o gasto em bebidas alcóolicas e na jogatina.

Ainda bem que Justiça Eleitoral interveio e impediu a jogatina com os resultados das eleições, que já estava correndo solta antes da proibição.

Já imaginaram quais seriam as apostas para a próxima eleição presidencial, feitas ainda com o dinheiro do Bola Família?

Fonte: Poder 360

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