Ex-secretário do Fisco afirma que subir a alíquota de 15% para 20% para compensar a desoneração deve levar à perda arrecadatória
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, de 77 anos, disse nesta 5ª feira (15.ago.2024) que a elevação da alíquota do IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte) sobre os JCP (Juros sobre Capital Próprio) de 15% para 20% deve levar a um efeito oposto ao desejado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que é elevar a arrecadação para ajudar com a compensação da desoneração da folha de 17 setores da economia.
“Ao fazer isso, o governo pode dar um tiro no pé. Pode, portanto, ter efeito oposto: vai induzir o empréstimo, que é dedutivo geralmente. Vai estimular o endividamento, cujos juros são integralmente dedutíveis”, declarou ao Poder360.
Everardo Maciel comandou a Receita Federal de 1995 a 2002, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A instituição dos juros sobre capital próprio se deu durante sua passagem pelo Fisco, na Lei 9.249, de 1995. A retenção de 15% sobre o JCP no IR (Imposto de Renda) foi feita por meio da legislação.
Maciel defendeu que a atitude contraria “o que resta de modernidade no sistema de tributação de renda das pessoas jurídicas” e fará o governo “perder arrecadação”.
Em tramitação no Senado, o PL (Projeto de Lei) 1.847 de 2024 teve a votação novamente adiada nesta 5ª feira (15.ago). A expectativa é de que o texto seja analisado na 3ª feira (20.ago).
Incertezas sobre o gatilho para os juros sobre capital próprio e o grande número de emendas motivaram o adiamento. Na 4ª feira (14.ago), o líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), incluiu no seu relatório final do acordo da desoneração o gatilho do JPC, com aumento da alíquota de 15% para 20%.
Segundo o congressista, trata-se de um “dispositivo de garantia” para cobrir a renúncia fiscal, que será de até R$ 26,3 bilhões em 2024, conforme estimativa do governo. Leia a íntegra do documento (PDF – 318 kB).
Trata-se da soma da renúncia aos 17 setores da economia (R$ 15,8 bilhões) e aos municípios (R$ 10,5 bilhões). A equipe econômica ainda busca uma forma de definir a compensação para estes valores.
Em 16 de julho, o STF (Supremo Tribunal Federal) atendeu novamente a pedido do governo e do Congresso e prorrogou o prazo para que os 2 Poderes cheguem a um acordo sobre a compensação. O ministro Edson Fachin determinou que uma solução para o tema deve ser encontrada até 11 de setembro.
Segundo apurou o Poder360, haverá resistência da Oposição no Senado, mas o acordo da desoneração será aprovado com o gatilho dos JCP. Ainda não há valores estimados do quanto o aumento da JPC pode resultar de arrecadação.
SOBRE O JCP
O juro sobre capital próprio é uma forma de as grandes empresas remunerarem os acionistas pelo aporte de recursos. Foi instituído em 1995 em substituição à autorização que as companhias tinham para usar a correção monetária a fim de pagar menos impostos. A medida anterior se tornou insignificante pelo controle da inflação a partir do Plano Real.
A legislação assegura que o JCP seja deduzido da base de cálculo do IRPJ (Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Há, contudo, retenção de 15% no Imposto de Renda ao ser distribuído entre os sócios, o que o diferencia dos dividendos, que são isentos de tributação. O JCP pago pela empresa pode ser deduzido dos impostos no sistema de lucro real.
Ao criticar a manutenção do mecanismo, a equipe econômica diz que grandes empresas cometem “abusos” na dedução. Além disso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já afirmou que companhias “transformaram lucro artificialmente em juro sobre capital próprio” para fugir de tributação ou pagar menos impostos. Não especificou quais seriam.
Em outubro de 2023, o Poder360 mostrou que houve um aumento na distribuição do JCP. O movimento se deu depois que o governo Lula enviou ao Congresso, em 31 de agosto, um projeto de lei para acabar com a dedução do mecanismo.
Consequentemente, a arrecadação por causa do juro sobre capital próprio subiu 35,3% no período. Inicialmente, a equipe econômica esperava obter R$ 10,4 bilhões, em 2024, com a medida. A proposta, contudo, foi desidratada ao ser incorporada à MP (Medida Provisória) da subvenção.
Em vez de acabar com o JCP, o Congresso aprovou em 20 de dezembro de 2023 um texto que estabelece critérios e restringe os valores que as empresas podem considerar para a base de cálculo do juro sobre capital próprio. Na prática, busca evitar que haja manobras contábeis artificiais.
Em 30 de dezembro de 2023, Lula sancionou sem vetos a medida. Eis a íntegra da Lei 14.789 (PDF – 490 kB).