Ministro da Fazenda queria emplacar regras mais rígidas para o Benefício de Prestação Continuada, mas congressistas desidrataram a medida
Os deputados e senadores aprovaram durante a semana a maior parte do pacote fiscal elaborado pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Uma parcela das medidas foi recebida sem resistência pelos congressistas, já outras, não.
A maior derrota do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi em relação às mudanças do BPC (Benefício de Prestação Continuada). Queria emplacar regras mais rígidas sobre o critério de renda para receber o pagamento. No entanto, a Câmara e o Senado foram contra, especialmente pelo caráter social do auxílio.
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Outra baixa significativa foi a exclusão do fundo constitucional de Brasília do ajuste fiscal. Haddad propôs reajustar as despesas do fundo pela inflação. A pressão dos políticos que vivem na capital federal veio forte e a medida saiu do pacote.
Por outro lado, a trava na correção do salário mínimo foi uma vitória. Prevaleceu a vontade da equipe econômica e a remuneração será limitada a 2,5% acima da inflação.
Leia abaixo um resumo das vitórias e derrotas do governo na aprovação do pacote fiscal:
A DERROTA EM NÚMEROS
Houve um reajuste de R$ 6,3 bilhões por causa da desidratação do pacote no Congresso. Por outro lado, a revisão do crescimento no PIB (Produto Interno Bruto) de 2023 melhorou as perspectivas de economia com o salário mínimo e o abono salarial em R$ 4,2 bilhões. Como efeito, compensou parte da perda com o enxugamento dos textos.
A equipe econômica esperava economizar R$ 71,9 bilhões. Os novos cálculos mostram que o valor vai a R$ 69,8 bilhões –diferença de R$ 2,1 bilhões. O montante se refere às perspectivas da economia para 2025 e 2026. Leia a íntegra dos cálculos (PDF – 2 MB).
O mercado financeiro, entretanto, calcula que os números da Fazenda estão inflados. A XP Investimentos projeta um impacto de R$ 44 bilhões no pacote –menor que os números do governo em R$ 26 bilhões.
Eis as medidas que tiveram a projeção de economia diminuída, em razão das mudanças feitas pelos congressistas:
- Bolsa Família – de R$ 5 bilhões para R$ 4 bilhões de economia;
- BPC – de R$ 4 bilhões para R$ 2 bilhões;
- FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal) – de R$ 2,3 bilhões para R$ 0; e
- biometria – de R$ 5 bilhões para R$ 4 bilhões.
Eis as medidas que tiveram a projeção de economia aumentada, por causa da revisão do crescimento do PIB:
- salário mínimo – de R$ 12 bilhões para R$ 15,3 bilhões de economia; e
- abono salarial – de R$ 0,8 bilhões para R$ 1,7 bilhões.
Ainda falta aprovar uma parte do pacote. Os textos que mudam as regras para a aposentadoria dos militares devem ser contemplados só depois do recesso no Legislativo.
CORTE DE GASTOS DE HADDAD
O governo federal enviou uma série de medidas para o Congresso com a tentativa de frear o crescimento dos gastos públicos. Saiba quais são:
- Projeto de Lei Complementar 210 de 2024 – limita a concessão de benefícios tributários quando o governo apresenta rombo nas contas públicas;
- Proposta de Emenda à Constituição 45 de 204 – PEC traz regras sobre os repasses do Fundeb e sobre os supersalários do funcionalismo;
- projeto de lei 4.920 de 2024 – muda as regras da aposentadoria dos militares, para determinar a idade mínima de 55 anos para o afastamento. Há um período de transição proposto para a nova regra;
- projeto de lei 4.614 de 2024 – traz um novo combate a fraudes para recebimento do BPC e limita o crescimento do salário mínimo ao marco fiscal.
SALÁRIO MÍNIMO
A mudança no salário mínimo permaneceu intacta, com os mesmos limites do marco fiscal.
O trecho altera a regra atual que ancora o crescimento à inflação e à variação do PIB. Em resumo:
- como é – o salário mínimo cresce conforme a inflação para manter o valor real do dinheiro. Além disso, é corrigido novamente pelo crescimento do PIB de 2 anos antes. Seria de 3,2% para a remuneração de 2025;
- como fica – continua corrigido pelo índice de preços, mas o aumento adicional não pode passar dos 2,5%.
O novo reajuste não significa que o salário mínimo vai parar de crescer, mas aumentará em um patamar menor. Cálculo do Poder360 mostra que a diferença deve ser de aproximadamente R$ 11.
O preço médio do arroz era de R$ 6,52 em junho, segundo um levantamento do Procon-SP. Já o litro do leite custava um valor médio R$ 2,80, segundo pesquisa da USP (Universidade de São Paulo). Seriam alguns produtos passíveis de compra pelo valor reduzido.
Mesmo com a trava, o reajuste ainda deve trazer um forte impacto nas contas públicas. O gasto estimado com um reajuste vigente atingiria R$ 40 bilhões.
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Como mostrou o Poder360, o crescimento real do salário mínimo veio abaixo do limite de 2,5% em 15 dos últimos 29 anos. Ou seja, a trava não é tão diferente dos padrões de reajustes desde 1996.
Chama a atenção que a correção sempre foi abaixo desse limite nos governos de Michel Temer (MDB) e de Jair Bolsonaro (PL). O Lula 3 limitou o crescimento real da remuneração, mas ainda terá uma alta maior que nas duas gestões anteriores.
BPC
O governo queria mudar o conceito de renda familiar em busca de critérios mais rígidos para integrar o benefício.
Entenda as alterações:
- como Lula enviou – passam a integrar os critérios de rendimento todos os cônjuges e companheiros que não moram na mesma casa. Irmãos não solteiros também entram na conta. Além dos outros familiares que já moram no local. A renda de um BPC fica no cálculo para avaliar o recebimento de outro pagamento;
- como ficou – permanece considerando unicamente quem mora junto, além de entrarem só os irmãos solteiros. O dinheiro de um benefício não integra o cálculo de avaliação do auxílio.
O governo também queria liberar o BPC para quem tivesse o cadastro biométrico. A redação aprovada trouxe um regime de exceção: quem mora em “localidade de difícil acesso” ou tem “dificuldade de deslocamento” não precisa seguir a norma.
Outra mudança foi sobre a exclusão de benefícios com cadastro desatualizado há mais de 24 meses. O 1º relatório determinava que a notificação de desligamento seria realizada com antecedência mínima de 90 dias. O projeto passou a liberar a prorrogação por igual período.
Um ponto de impasse durante a votação do Senado foi um trecho sobre a categoria de deficiência liberada para recebimento do BPC. O texto diz que o pagamento irá só para casos “moderados” ou “graves”, de forma genérica.
Senadores se manifestaram em massa contra essa categoria. Queriam qualquer tipo de deficiência, incluindo as leves, contempladas. A pressão levou o governo a se comprometer com um veto presidencial ao trecho que determina a restrição.
“Esse texto foi construído exatamente para selar um acordo. Não mando na minha vontade, preciso consultar. Já consultei o governo e me comprometo aqui com o veto”, disse o líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
Na prática, Lula vai cortar o trecho sobre deficiência moderada ou grave na sanção. A redação não poderia ser modificada na Casa Alta, porque teria que voltar para um nova votação na Câmara –o que traria um desgaste pelo prazo apertado.
Eis as determinações que permaneceram:
- dedução de renda – não será mais permitida se não for estipulada pela lei;
- CID (Classificação Internacional de Doenças) – é obrigatório para receber o benefício;
O Benefício de Prestação Continuada é um pagamento de 1 salário mínimo por mês a idosos de 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência com baixa renda. Os gastos com a categoria somaram R$ 75,8 bilhões em 2024 até julho. O limitador no reajuste do salário mínimo também ajuda a frear o crescimento dessa cifra.
FUNDO DE BRASÍLIA
O trecho que trata do Fundo Constitucional do Distrito Federal foi outra desidratação relevante. A equipe econômica de Lula queria limitar o crescimento dessa despesa à inflação.A economia de R$ 2,3 bilhões foi descartada.
Muitos congressistas foram contra e a ideia caiu –moram ou passam boa parte do tempo em Brasília. Em resumo: o pagador de imposto brasileiro continuará a bancar parte dos gastos da capital sem um controle mais rígido nos gastos.
O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), foi um dos políticos que reclamou da possível mudança no fundo. Ele disse que a proposta era “insustentável”.
O Fundo Constitucional do Distrito Federal recebe dinheiro de todo o país para custear uma parcela das despesas da capital. A verba estipulada para a categoria foi em torno de R$ 23 bilhões em 2024.
É corrigido anualmente conforme o aumento das receitas de impostos da União desde 2003, quando começou a receber recursos do governo federal.
FUNDEB
A ideia era colocar um percentual de repasse do fundo para o ensino integral. Entenda:
- como o governo queria – que até 20% dos gastos da União ao fundo fossem direcionados ao ensino integral;
- como ficou na proposta – a destinação fica limitada até 10% em 2025. Os anos seguintes ficam com no mínimo 4% dos recursos destinados à prática.
Em resumo: a PEC reduziu o percentual de dinheiro do Fundeb que iria para o incentivo às matrículas de tempo integral.
A equipe econômica apresentou queria economizar dinheiro pela seguinte lógica:
- aumentam-se os investimentos do Fundeb na educação integral;
- Ministério da Educação gasta menos com iniciativas para fortalecer essa categoria;
- com menos gastos pelo órgão, o dinheiro pode ser redirecionado para outras políticas sociais.
No entanto, a redução dos repasses aprovado pelos congressistas prejudica a estratégia. Setores criticaram a ideia do governo. Diziam que a educação perderia dinheiro.
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Pelo raciocínio do Ministério da Fazenda, o dinheiro “sobrando” poderia ir para o programa Pé-de-Meia. Ou seja, os gastos seriam realocados. Não necessariamente haveria economia de dinheiro.
Atualmente, só há critério de distribuição para os recursos que vão para o salário dos professores. “A outra parte é livre e acaba sendo aplicada em temas que às vezes não chegam no aluno. Essa é uma garantia que dá preferência para uma política que é prioridade”, disse o Ministério da Fazenda ao explicar a medida inicialmente.
O Poder360 mostrou que os Estados com mais repasses do Fundeb pioraram os índices de escolarização (parcela de pessoas que frequentam a escola) nos últimos anos. Dados como esse justificam a mudança no fundo, segundo o governo.
O Fundeb serve para financiar as redes públicas de ensino, desde o infantil até o ensino médio.
É bancado pela arrecadação dos Estados e dos municípios, mas recebe dinheiro da União quando os entes não atingem o valor mínimo por aluno ao ano. Nordeste e Norte são mais dependentes.
SUPERSALÁRIOS
O governo quer limitar as remunerações indenizatórias ao teto do funcionalismo. Os benefícios chamados de “penduricalhos” também entram nessa regra –são gastos extras com auxílios de alimentação, moradia e vestimenta, por exemplo.
Entenda abaixo o que será alterado pela PEC aprovada:
- como é – os funcionários podem utilizar os “penduricalhos” como uma forma de driblar o teto salarial do setor público (R$ 44.008,52 mensal);
- como fica – essas despesas passam a entrar nesse limite, mas só quando houver a regulamentação.
Haverá uma série de categorias em regime de exceção. Ou seja, alguns benefícios do setor público ainda continuarão fora do teto constitucional.
A regulamentação nesse texto era inicialmente proposta por meio de lei complementar. Entretanto, a redação mudou e a determinação passou a ser por lei ordinária.
Uma lei ordinária sobre os supersalários já está pronta para ser votada no Senado, o que torna o processo de aprovação mais rápido e exclui a necessidade de outras negociações.
O limite de R$ 44.008,52 para o setor público é o salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Os magistrados têm a maior remuneração dentre o funcionalismo.
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ABONO SALARIAL
O governo quer mudar progressivamente o critério para receber o benefício. Atualmente, tem direito ao abono quem ganha até 2 salários mínimos. O plano é diminuir essa proporção para 1 salário e meio até 2035.
A progressão é a seguinte:
- 2025 – 2 salários mínimos;
- 2026 – 1,95 salário mínimo;
- 2027 – 1,90 salário mínimo;
- 2028 – 1,85 salário mínimo;
- 2029 – 1,80 salário mínimo;
- 2030 – 1,75 salário mínimo;
- 2031 – 1,70 salário mínimo;
- 2032 – 1,65 salário mínimo;
- 2033 – 1,60 salário mínimo;
- 2034 – 1,55 salário mínimo;
- 2035 – 1,5 salário mínimo.
O abono é uma espécie de 14º salário. Tem valor de 1 salário mínimo. Quando não houve trabalho no ano inteiro, é pago proporcionalmente ao período de serviço.
DRU
A DRU é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas.
Os recursos vêm de contribuições sociais, especialmente. A proposta determina que a DRU seja prorrogada até 2032. A economia esperada é de R$ 7,4 bilhões em 2 anos e de R$ 25,6 bilhões de 2025 a 2030.
SUBSÍDIOS E SUBVENÇÕES
O governo quer economizar R$ 12,8 bilhões até 2030 com um mecanismo que permite limitar a concessão de subsídios e subvenções para o cumprimento das metas fiscais. Entenda o que são:
- subsídios – dinheiro do governo para beneficiar setores específicos da economia ou grupos da sociedade;
- subvenções – apoio financeiro do governo para cobrir despesas ou estimular atividades.