Impacto seria em 2025; Banco Daycoval estima IPCA de 3,5% no próximo ano, mas poderá atingir 4,0% com desvalorização do real
O economista-chefe do Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Daycoval, Rafael Cardoso, disse que, caso o dólar se mantenha no patamar atual, a inflação do Brasil deverá subir de 3,5% para 4,0% em 2025. Segundo o especialista, ciclo de alta da taxa Selic no BC (Banco Central) poderá levar o juro base para até 13% ao ano, a depender do comportamento do índice de preços e expectativas dos agentes financeiros.
Ele concedeu entrevista ao Poder360 na 6ª feira (1º.nov.2024) para tratar sobre a reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) desta semana. A taxa básica deve subir de 10,75% para 11,25% na 4ª feira (6.nov.2024).
Rafael tem 33 anos. É formado em economia na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), com especialização também na FGV (Fundação Getulio Vargas). Tem certificados no FMI (Fundo Monetário Internacional), na Universidade de Pequim, na China, e na Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Foi consultor financeiro e também já trabalhou na Gradual Investimentos.
Assista (25min47s):
O Banco Daycoval estima o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em 3,5% para 2025. Segundo Cardoso, poderá subir para 4% caso “não haja apreciação do real frente ao dólar”. E completou: “Considerando o patamar atual de câmbio, a nossa inflação para o ano que vem deveria ser 0,5 ponto percentual acima do que a gente tem hoje. Essa é uma razão de preocupação”.
O economista disse que a inflação de serviços está em nível mais alto que os demais itens por causa do mercado de trabalho mais dinâmico. A taxa de desemprego do Brasil foi de 6,4% no 3º trimestre, o 2º menor nível da série histórica, iniciada em 2012. Segundo o economista, assim como o dólar alto, o indicador de desocupação dá “respaldo” para a autoridade monetária acelerar o ritmo de alta dos juros.
Para o especialista, o mais relevante para o Banco Central é a taxa terminal –patamar da Selic que encerra o ciclo de ajuste. Segundo o Boletim Focus, as projeções dos analistas do mercado financeiro indicam que o juro base subirá para 12% ao ano na 1ª reunião de 2025.
Cardoso declarou, porém, que a estimativa poderá subir. “Mais do que o ritmo, que, na nossa opinião já está contratado para 50 pontos base, permanece a dúvida da extensão total do ciclo de aumento da taxa de juros”, disse.
CONTAS PÚBLICAS
O economista declarou que o atraso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em apresentar medidas de revisão de gastos sugere que não há consenso dentro do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Agentes financeiros esperavam um anúncio depois das eleições municipais.
“O adiamento do anúncio sugere que não houve consenso ou aprovação das medidas internamente e que, portanto, é provável que o rol de medidas que venha no futuro seja menor”, disse Cardoso. O economista avalia que prefere que um pacote atrasado crível que um conjunto de medidas apresentadas de forma rápida, mas que não avance.
A pedido do presidente Lula, Haddad cancelou viagem que faria para a Europa na 2ª feira (4.nov.2024). A informação de que ele deixaria o Brasil fez com que o dólar comercial subisse para R$ 5,87, o 2º maior valor nominal da história.
Leia abaixo os principais pontos da entrevista:
Poder360 – O Banco Central se reunirá para definir a taxa Selic. A alta dos juros deverá ser maior que na última reunião?
Rafael Cardoso – “Acreditamos que o Banco Central vai acelerar o ritmo de alta para 50 pontos base, vindo de uma alta de 25 pontos base. As razões para isso, na nossa opinião, são diversas e, nos últimos tempo, se a gente tivesse que destacar duas delas que são as mais relevantes poderíamos dizer tanto a depreciação cambial, nesse patamar de dólar mais alto frente ao real, e também, essa já apontada pelo Banco Central para apontar o início do ciclo de alta dos juros, que é uma atividade econômica bastante resiliente”.
Qual seria a taxa terminal de juros ?
“A nossa previsão e a previsão de taxa terminal coletada pelo Boletim Focus, espelhada pela mediana do mercado, é de 12% ainda para o começo do ano que vem. Na nossa opinião, esse número tem viés de alta. Nós ainda não revisamos para cima, mas as discussões internas são para ir nessa direção de uma Selic eventualmente um pouco mais alta do que essa. O quanto mais alta? Acreditamos que 13% de Selic não parece provável, então ficaria entre 12% e 13% de taxa terminal”.
A inflação pode ficar fora do intervalo permitido pela meta neste ano?
“Para 2024, eu acho que está no limite, mas eu não diria que é uma probabilidade majoritária. Para além disso, acho que vale dizer que, com a revisão do arcabouço do regime de metas, ou seja, o Banco Central tendo o horizonte móvel de 18 meses e não tendo mais o ano calendário, me parece que a leitura de IPCA de dezembro […] também já não tem mais tanta importância. Portanto, mais do que o número do IPCA acumulado em dezembro deste ano, o relevante para a gente é ver se a inflação ao longo do tempo se vai estar dentro das bandas de tolerância”.
Quais são as maiores preocupações para a inflação?
“Tem 3 grandes preocupações, sendo que duas delas são mais objetivas e uma 3ª mais subjetiva. As duas primeiras mais objetivas dizem respeito à variação do câmbio, com impacto nos bens importados […], e à atividade econômica. […] O emprego e o salário têm uma dupla face. Se por um lado [o mercado de trabalho aquecido] é renda para os trabalhadores e sanciona uma maior demanda, por outro lado é custo para os empresários. E, portanto, um desemprego baixo que eleva os salários aumenta a demanda e aumenta custo simultaneamente. O que a gente tem visto no Brasil é um mercado de trabalho extremamente dinâmico. A continuidade deste processo dificulta o atingimento da meta de inflação por parte do Banco Central. […] O 3º fator, que conversa um pouco com o 1º, diz respeito às incertezas fiscais. A incerteza fiscal afeta tanto o câmbio pela via de risco quanto um fiscal mais frouxo também mantém a atividade pressionada pela via dos estímulos, assim como também tem impacto nas estimativas de inflação”.
O dólar superou R$ 5,80. Quais são os motivos para a alta da cotação da moeda?
“Acreditamos que, primordialmente, são 2 motivos. O 1º deles diz respeito à perspectiva da vitória do Donald Trump na eleição norte-americana, o que tem gerado um dólar mais forte no mundo. E não é frente só ao Brasil, mas frente à diversas economias. Existe um fenômeno global importante. Podemos ver isso de outra forma, como a alta de juros de longo prazo nos Estados Unidos. Isso retrata e espelha um pouco essa mudança de cenário para essa maior probabilidade de vitória do Donald Trump com impactos para a nossa taxa de câmbio, um real mais depreciado frente ao dólar. Localmente, a gente sabe que momentos que o juro lá fora é maior, historicamente aqueles países que têm mais dificuldades acabam sofrendo mais. E acho que é um pouco o que acontece com o Brasil”.
O governo não deve apresentar o pacto de revisão de gastos na próxima semana. Qual a avaliação do senhor sobre esse atraso no envio das medidas?
“Alguma medida de controle de gastos para as metas fiscais de 2025 serem críveis é necessária. Existe urgência de apresentar nesta semana, semana que vem ou amanhã? Achamos que não. Temos preferência por um pacote crível que venha com uma semana de atraso do que um pacote anunciado rapidamente, mas que não seja crível. Qual a problemática? É que o adiamento do anúncio sugere que não havido consenso ou aprovação das medidas internamente e que, portanto, é provável que o rol de medidas que venha no futuro seja menor”.
Qual seria um pacote de revisão de gastos considerado robusto pelo mercado financeiro?
“O governo tem que atacar as linhas das quais o crescimento dos gastos é insustentável frente à regra de crescimento das despesas totais. O BPC (Benefício de Prestação Continuada) este ano, por exemplo, está crescendo muito mais. Os gastos previdenciários estão crescendo muito mais do que o teto das despesas. Se a gente tivesse que escolher uma única medida […], o que eu faria era limitar todas as despesas ao crescimento do teto das despesas, de forma com que o teto total fosse viável. Destacadamente, são esses gastos de benefícios sociais que têm uma trajetória de crescimento bastante diferente desde a alteração de governo. Portanto, acreditamos que é uma via para controlar gastos”.
O crescimento do Brasil tem surpreendido positivamente. Quais são as projeções do Banco Daycoval para os próximos anos?
“No fechamento deste ano, temos crescimento próximo de 3%, sendo que grande parte do impacto é devido a consumo, que cresce quase 4%. Quando a gente pensa em 2025, nosso crescimento esperado é de 2%. Mas […] os últimos anos a gente vem subestimando o crescimento da economia brasileira. Olhamos os nossos 2% com alguma desconfiança, no sentido de saber que nos últimos anos nós erramos o número por ter um crescimento mais conservador que se mostrou na realidade”.
O que o senhor espera da sucessão de Galípolo no comando do Banco Central?
“Em um primeiro momento, não acreditamos que terá alterações relevantes na condução da política monetária. […] Agora, a gente tem uma ressalva. É muito mais fácil para o presidente do Banco Central elevar a taxa de juros com o desemprego muito baixo e um PIB crescendo num ritmo de 3%. Mas vamos supor que no ano que vem nos deparamos com um mercado de trabalho mais fraco, com PIB que cresça menos e uma inflação que ainda incomoda, temos dúvida da capacidade do Banco Central de realizar um ciclo de ajuste monetário altista sem grandes ruídos. Eventualmente, num cenário econômico pior […] o Banco Central pode voltar a ser alvo de críticas do mundo político e acho que o Galípolo pode ser menos blindado que do foi Roberto Campos ao longo dos últimos trimestre”.