José Paulo Kupfer | Ajuste na comunicação do governo

Freadas de arrumação nas mensagens do governo sobre política fiscal e monetária contribuem para acalmar mercados

No mercado financeiro, comunicação não é tudo, mas é quase tudo. Prova disso é que, depois do acerto que parece ter sido promovido na comunicação do governo, os ativos financeiros entraram num período de calmaria e acomodação. O mesmo se pode dizer no caso do Banco Central.

Não houve qualquer mudança efetiva ou mais significativa na marcha da atividade econômica para sustentar a freada de arrumação. Mas mudou bastante a comunicação. O presidente Lula, ainda que mantenha a disposição de evitar cortes de gastos em áreas mais sensíveis, passou a destacar seu compromisso com a responsabilidade fiscal

Os sinais emitidos permitem suspeitar de que a repetição pública desse compromisso leva jeito de ter sido a ponta visível de um acerto de Lula com o resto do governo e com líderes do PT. Cessaram, pelo menos em público, as reclamações anteriores. 

É evidente que, depois desse possível acerto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se mostra menos constrangido na defesa de contenções de despesas e na insistência de que a meta de deficit fiscal zero em 2024 será alcançada —o que ainda é motivo de desconfiança, mas já agora em grau menor. Haddad tem reafirmado que continuará buscando receitas para reduzir a necessidade de cortes nos gastos, mas encontrou espaço político para se comprometer com um ajuste fiscal “custe o que custar”.

Problemas de comunicação também pesaram nos desarranjos que atingiram a política monetária desde que o Copom se dividiu na decisão sobre a taxa básica de juros em maio. O dissenso entre novos 4 diretores do Banco Central, indicados por Lula a partir de 2023, e os 4 mais antigos, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, estes sob o comando do presidente do BC, Campos Neto, desarrumou a coordenação das expectativas de inflação. 

Um claro esforço de reorganizar a forma como o BC transmite suas mensagens à praça financeira, a partir daí, colaborou para repor as coisas no lugar. Esse esforço concentrou energias em desfazer a ideia de que a política de juros seria leniente com a inflação, a partir da indicação de um novo presidente do BC ligado a Lula, o que vinha causando perdas e instabilidades no mercado de ativos financeiros.

A partir de então, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, o favorito para substituir Campos Neto na presidência do BC em 2025, economista ligado a Lula, não perde oportunidade de mostrar sintonia com os diretores do BC de linha mais ortodoxa. Isso não só na unanimidade das decisões de manter inalterados os juros básicos em junho e fins de julho, como em declarações públicas, segundo as quais há consenso no Copom de que altas dos juros em futuro próximo “estão na mesa”.

Não se pode concluir que apenas os ajustes na comunicação foram capazes e suficientes para acalmar as cotações. No meio desse esforço, as finanças globais foram chacoalhadas com uma 2ª alta neste ano nos juros de referência no Japão, depois de quase 20 anos de taxas estacionadas e negativas. Mas o que se prenunciava com o início de um crash, à la 2008, não passou, pelo menos até agora, de um ajuste de posições alavancadas.  

Também a perspectiva de que o Fed (Federal Reserve, banco central norte-americano) inicie em curto prazo, finalmente, um ciclo de cortes nos juros de referência norte-americanos tem contribuído para a relativa calmaria das cotações nos mercados. Só a possibilidade desse corte aliviou a pressão que o dólar exerceu, nos últimos tempos, sobre outras moedas, com destaque para o real brasileiro.

Nenhum desses fatores mais concretos seria suficiente, isolados, para impedir instabilidades e volatilidades negativas nos mercados. Parece, no entanto, mais claro que, sem uma comunicação de governo adequada, os riscos de tumulto no mercado, com suas conhecidas consequências negativas para a condução da política econômica, seriam muito maiores.

Fonte: Poder 360

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