José Paulo Kupfer | Galípolo não é “um dos nossos”

Gabriel Galipolo

Gabriel Galípolo, indicado por Lula para dirigir a autoridade monetária, é um economista mais desenvolvimentista e mais à esquerda, menos identificado com o mercado financeiro

O presidente do Banco Central, a partir de 2025, tem uma diferença marcante, em relação a muitos de seus antecessores: Gabriel Galípolo não é “um dos nossos”.

“Um dos nossos”, no caso, é se destacar pela atuação direta no mercado financeiro ou a manutenção de proximidade estreita com operadores de mercado —bancos, corretoras e distribuidoras de ativos financeiros. 

Sim, ainda falta, depois da indicação do presidente Lula, anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na 4ª feira (8.ago.2024), a confirmação pelo Senado. Mas ninguém acredita que, depois de alguns esperados toma-lá-dá-cá entre governo e senadores, seu nome deixará de ser aprovado, possivelmente já em meados de setembro.

Aos 42 anos, o economista Galípolo será um dos mais jovens a assumir o BC. Mais jovens que ele a chegar à presidência do BC só Persio Arida e Gustavo Franco —dois “dos nossos”.

Em muitos anos, só um presidente do BC não foi “um dos nossos”. O título —na verdade, o ônus— foi carregado por Alexandre Tombini, que presidiu o BC no mandato e meio de Dilma Rousseff.

O que aconteceu com Tombini, a reação inclemente dos mercados ante sua atuação, a permanente queda de braço com a política monetária que pontuou a passagem do funcionário do BC pela autarquia, contudo, não deve se repetir com Galípolo.

Ele não é “um dos nossos”, mas sabe jogar com mais cintura, tem fala mansa e disposição para o diálogo. Sua formação e carreira são mais ecléticas. Em entrevista ao jornal Valor, o economista José Márcio Rego, que conhece bem Galípolo, classificou-o como um “heterodoxo não ortodoxo”.

Galípolo começou a vida profissional dando aulas de economia, sem dedicação exclusiva ao magistério. Passou, mas apenas por 2 anos, pelo serviço público estadual em São Paulo, elaborando projetos de concessões, privatizações e parcerias público-privadas.

Embora tenha presidido um banco de investimentos de prestígio, o Banco Fator, por 4 anos, atuou mais na elaboração de projetos na especialidade que desenvolveu no serviço público e na sua consultoria pessoal, criada em 2009, do que no atendimento de investidores em ativos financeiros.

Sua chegada ao governo Lula, em seu 3º mandato, foi relativamente rápida. Galípolo chamou a atenção de Lula pela presença em eventos públicos do presidente, caso do Natal dos catadores de lixo, em 2021. Passou então a ser convidado para debates fechados de economistas com Lula e, daí, chegou ao grupo de transição montado por Lula depois da eleição em 2022, no qual se destacou. 

Na formação do governo, foi convidado por Haddad para ser seu 2º, na Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. Poucos meses depois, foi indicado para a diretoria de Política Monetária do BC, a mais importante depois da presidência.

Não foi a carreira eclética que fez o indicado à presidência do BC não ser “um dos nossos”. Galípolo difere de seus antecessores porque se aproximou, logo depois do mestrado em economia, pela mesma PUC-SP, na qual se graduou, de grupos de economistas de viés heterodoxo e desenvolvimentista, reunidos em torno do ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, na Escola de Economia de São Paulo, da FGV-SP. Foi em reuniões e sessões de estudos nesse grupo que Galípolo conheceu Haddad.

Influência intelectual importante na formação profissional de Galípolo veio do economista e professor Luiz Gonzaga Belluzzo, histórico conselheiro de Lula. Com Belluzzo, reconhecido autor nos campos heterodoxos do pensamento econômico, foi sócio em uma consultoria e produziu dezenas de artigos, inclusive em jornais e revistas não especializados, além de 3 livros. 

Os títulos das obras não escondem uma visão não convencional das questões econômicas, situada mais à esquerda. Com Belluzzo, Galípolo escreveu “Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo” (2017), “A escassez na abundância capitalista” (2019) e “Dinheiro: o poder da abstração real” (2021).

Ainda que sua escolha para a presidência do BC já estivesse “precificada” pelo mercado financeiro, desde que, em julho de 2023, foi indicado para a diretoria de Política Monetária, a confirmação da escolha para a presidência foi recebida, como esperado, com ressalvas. Porta-vozes do mercado afirmam que a credibilidade de Galípolo no cargo passa por seu voto numa alta da taxa básica de juros, a Selic, na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). 

É possível que o gesto venha a ser feito, ainda que não seja indiscutível a necessidade de tornar ainda mais restritiva a política monetária. Na visão de Belluzzo, que presumivelmente é compartilhada por Galípolo, trata-se de uma impropriedade classificar a gestão monetária pelo BC como técnica. “Ela tem um forte componente semiótico”, diz Belluzzo, indicando que mais do que avaliar a composição dos dados da conjuntura, é a comunicação com a praça que dá os reais rumos da política.

Por não ser “um dos nossos”, também é de se esperar que Galípolo se preocupe com questões mais tangíveis, que têm sido desprezadas na gestão da política monetária. Em artigo publicado na 5ª feira (29.ago.2024), no jornal GGN, seu canal na internet, o experiente jornalista Luís Nassif, enumera outros alvos aos quais o futuro presidente do BC deve dirigir sua atenção.

Depois de manter estreito contato com Galípolo, nos meses em que o economista integrou a bancada permanente de um programa da sua TV GGN, Nassif assegura que não se deve esperar do indicado para a presidência do BC nenhum enfrentamento do mercado, e menos ainda “cavalos de pau” na política monetária.

Com base também nas participações do economista no GGN, Nassif diz que Galípolo trabalhará para reduzir o hoje excessivo poder de influência do Boletim Focus na formação de expectativas sobre a inflação. A ideia seria construir outras formas de medir expectativas, ampliando o número e o tipo de agentes econômicos envolvidos, incorporando não só gente do mercado financeiro nas pesquisas do BC, e diluindo assim o poder de influência da Faria Lima nas decisões do Copom.

Outro ponto que seria atacado visa a ampliar e diversificar os modelos de projeção utilizados pelo BC. Hoje, o BC e o Copom olham quase que só para o “Samba”, nome de modelo econométrico de previsão, baseado em probabilidades, a partir de premissas de que eventos ocorridos no passado se repetem no futuro, num resumo muito simplificado de seu funcionamento. 

Reproduzido pelos departamentos de economia de bancos e corretores, onde nem sempre quem os maneja conhece bem seus fundamentos, as réplicas do “Samba do BC” criam expectativas seguidas como boiada pelo conjunto do mercado. Como na regra dos “concursos de beleza”, descritos por Keynes como a forma de operar do mercado financeiro —o objetivo não é acertar a previsão, mas acertar o que os outros acham, inclusive errando junto com eles–, esse mecanismo embute o risco de potencializar os erros de projeção.

Além disso, se Galípolo fizer o que antes de se tornar diretor do BC dizia ser necessário fazer na gestão monetária, acompanhará mais de perto os mercados de derivativos. No Brasil, estes são mercados peculiares, muito abertos, amplos e porosos, nos quais, diferentemente do resto do mundo, pela liquidez que oferecem, muito maior do que nos mercados à vista, neles é que são formadas as taxas de dólar e dos juros futuros longos.

Se esta estratégia for realmente seguida e tiver sucesso, o fato de o futuro presidente não ser “um dos nossos” terá sido um elemento de aprimoramento da gestão da política monetária. 

Fonte: Poder 360

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