Anunciado há meses, o projeto de lei que aumentaria a transparência e a rastreabilidade das emendas padece do mesmo mal que supostamente combaterá
Uma dita solução para o impasse das emendas parlamentares paira no ar entre Congresso, governo federal e STF (Supremo Tribunal Federal) há meses. O nível de transparência sobre a proposta é, ironicamente, o mesmo do problema ao qual se dirige: quase nenhum.
Desde a primeira menção ao projeto de lei para regulamentação, em agosto, pouco se sabe sobre o seu texto que, segundo o Legislativo, lançará verdadeiros holofotes sobre o trajeto das emendas ao orçamento.
Até a 6ª feira (25.out.2024), as informações sobre a tal proposta só chegavam a público indiretamente. Ora via declarações à imprensa por Angelo Coronel (PSD-BA), relator do orçamento que a apresentaria, ou por fontes não identificadas, ora por atas das audiências de conciliação e reuniões promovidas pelo ministro Flávio Dino.
Mesmo com o protocolo do PLP 172 de 2024 por Coronel, o mistério permanece. De acordo com a Agência Senado, a proposta apresentada é a tal solução negociada e acordada entre os Poderes.
Neste início de semana, porém, circula a notícia de que o texto é fruto de um esforço apenas do senador, e que a proposta realmente costurada entre governo e Congresso espera uma aprovação do Supremo para ser apresentada. Considerando-se a longa lista de problemas do PLP, parece positivo. Ao mesmo tempo, a informação comum é de que o tal projeto-solução (qual seja) é prioridade e deve ser votado rapidamente.
Vejamos: um processo cujo impacto para a sociedade será significativo, mas cujos pontos de partida e desenrolar não se dão em público, nem são discutidos com a própria sociedade antes de uma votação no estilo ‘trator’. Parece estranha e lamentavelmente familiar.
Caso a aprovação desse projeto de lei complementar panaceico (qual seja) ocorra sem a mínima possibilidade de participação efetiva da sociedade civil, como parece estar se encaminhando para ser, uma certeza se apresenta desde já: a nova lei não desmontará a atual lógica distorcida de participação do Congresso no orçamento da União. Deverá servir só para liberar ainda neste ano o que resta suspenso pelo STF e preservar ao máximo o sistema que, afinal, funciona muito bem para os propósitos aos quais foi desenhado para atender: dar vantagens a congressistas e sossego ao Executivo.
Uma ou outra concessão de transparência será feita, claro. De preferência, sem envolver o Congresso ou seus integrantes, como se antevê pelo texto de Angelo Coronel e apenas o suficiente para garantir uma rastreabilidade tão eficaz quanto migalhas de pão deixadas na floresta para se encontrar o caminho de volta para casa.