MPF cobra do Banco do Brasil reparação por apoio à escravidão

BB informou que lançará em dezembro ações de reparação à população negra; UNEafro quer cobrar R$ 1,4 trilhão do banco

O MPF (Ministério Público Federal) no Rio de Janeiro reforçou nesta semana a cobrança para que o BB (Banco do Brasil) apresente ações de reparação à população brasileira afrodescendente. A medida funcionaria como uma indenização pelo apoio da instituição financeira à escravidão no Brasil, no século 19.

A cobrança se deu em audiência pública realizada na 3ª feira (22.out.2024), comandada pelo procurador regional dos Direitos dos Direitos do Cidadão Julio José Araujo Junior, com representantes do Banco do Brasil, do Ministério da Igualdade Racial e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

A UNEafro apresentou um documento, elaborado em março deste ano, que quer cobrar R$ 1,4 trilhão do Banco do Brasil pela participação, segundo estudo, da instituição no tráfico de escravos no século 19. O cálculo apresentado pela instituição multiplicou 30% do lucro líquido do banco em 2023 (R$ 10,68 bilhões) por 136 anos, o tempo que se passou desde a abolição. Leia a íntegra do documento (PDF – 111 kB).

A atuação do MPF faz parte de um inquérito aberto contra o BB em setembro de 2023. A investigação é baseada no estudo de 14 pesquisadores de universidades brasileiras e americanas. Eles mostraram ligações do BB com o comércio de africanos escravizados.

Os pesquisadores dizem que havia “vínculos diretos entre traficantes e o capital diretamente investido em ações do Banco do Brasil”.

“A instituição também se favoreceu da dinâmica de circulação de crédito lastreada na propriedade escrava que imperou ao longo de toda a 1ª metade do século 19.”

O Banco do Brasil reconhece que a instituição teve ligação com a escravidão e, em novembro, emitiu um pedido público de desculpas à população negra. Eis a íntegra do posicionamento (PDF – 470 kB).

Apesar do reconhecimento do BB, o MPF emitiu ao banco estatal e ao Ministério da Igualdade Racial recomendações para que fossem indicados recursos específicos para as ações de reparação, assim como a definição de medidas prioritárias, de modo que o pacto pela igualdade racial não se tornasse “mera carta de intenções”.

“As respostas apresentadas pelas autoridades nada trouxeram de acréscimo. A gente ainda não teve indicações concretas dessas medidas”, afirmou o procurador Julio Araujo no início da audiência pública.

O também procurador dos Direitos do Cidadão Jaime Mitropoulos disse ainda que o pedido formal de desculpas do BB não é uma ação suficiente.

“Medidas simbólicas não nos bastam. O pedido de perdão, por si só, não é suficiente. A política pública que já vem sendo levada adiante pelo próprio Banco do Brasil também não é suficiente”, declarou.

Proposta Uneafro Brasil

Além do pagamento da quantia, a Uneafro propõe que:

  • o Banco do Brasil crie Fundos para Investimentos em reparação histórica em sua dimensão política, social e econômica à população negra brasileira, descendentes de africanos e africanas escravizados;
  • estabeleça-se um prazo máximo de 20 anos para as transferências desses valores aos fundos de reparação;
  • o Banco do Brasil possa buscar empréstimos com o BNDES, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, entre outros, para que tenha saúde financeira para arcar com os custos da reparação, sem que isso comprometa sua operação e liquidez;
  • os fundos sejam geridos em regime compartilhado pelo próprio Banco do Brasil, pelo MPF, pelo governo federal e pela sociedade civil por meio de organizações negras de “notório reconhecimento”, com garantia de auditoria externa independente e total transparência em suas operações.

Sociedade civil organizada

Em dezembro de 2023, o MPF abriu uma consulta pública para receber da sociedade civil sugestões de reparação que possam ser realizadas pelo banco estatal.

Foram obtidas mais de 500 propostas, apresentadas por 37 entidades, entre elas o MNU (Movimento Negro Unificado), a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos), a União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro Brasil), universidade e grupos culturais e religiosos.

Algumas das instituições que contribuíram com propostas participaram da audiência pública desta semana.

Banco do Brasil

O Banco do Brasil foi representado na audiência pelo consultor jurídico João Alves e pela gerente de Relações Institucionais Nivia Silveira da Mota. Citaram que o banco realiza uma série de ações para busca da equidade racial e de outras minorias representativas, como pessoas com deficiência.

Pela 1ª vez na história, o BB é presidido por uma mulher negra, a administradora e funcionária de carreira Tarciana Medeiros.

Eles informaram que o banco lançará em 4 de dezembro de 2024 uma série de ações relacionadas com a reparação à população negra.

No entanto, disseram que parte das propostas sugeridas pela sociedade civil não pode ser realizada pelo banco, por estarem fora da alçada de atuação. Um exemplo, citou Alves, é o pagamento de renda básica, que depende de iniciativas e orçamento autorizado pelo Congresso Nacional.

Nivia Mota afirmou que a instituição leva em consideração as demandas propostas, e que dez diretorias do banco participam da elaboração do plano de ação.

“Estamos tentando traduzir e levar para o nosso plano de ação, com o máximo de aproximação que pudermos fazer, considerando o orçamento que for disponibilizado”, disse ela. Citou que foram realizadas oficinas, escutas e consultas a pesquisadores e estudantes da temática racial.

O consultor jurídico do BB disse que acreditar que só uma única instituição, por maior que seja, vai resolver o problema de exclusão de afrodescendentes ou outras populações excluídas é “fora da realidade”.

“A avaliação que a gente tem é que precisamos unir forças”, disse. “O banco não é o melhor, é uma das instituições que têm tecnologia, tradição e intervenção suficiente para ajudar outras instituições”, continuou.

Ministérios

O Ministério da Igualdade Racial foi representado pela coordenadora de Ações Governamentais, Isadora de Oliveira Silva. Ela informou que o órgão ainda não tem pronto um plano de ação e que está comprometido em ouvir a sociedade para elaborar as medidas.

“O pacto teve momentos de escuta da sociedade civil, como de outros órgãos públicos e diferentes parceiros para coletar subsídios, sugestões para esse conteúdo do pacto. É isso que está passando por sistematização”, disse.

A coordenadora-geral de Erradicação do Trabalho Escravo, Andreia Figueira Minduca, representou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Minduca disse que, no ministério, as contribuições para o pacto pela igualdade racial são tratadas em conjunto pela Coordenação-Geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas.

Ela afirmou que o tema reparação é transversal a outros problemas atuais do país, como a existência do trabalho escravo doméstico, que tem as mulheres negras como 92% das vítimas.

“Que esses processos venham, a cada dia, somar e tentar garantir o mínimo de dignidade para trabalhadoras e trabalhadores”, disse.


Com informações da Agência Brasil.

Fonte: Poder 360

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