Mel, própolis e xarope dispostos no balcão da cozinha. O homem não toma o terceiro e vai ao banheiro. Subitamente, pensa: “Nós não tomamos o xarope!”
É dessa forma que, enfim, confirma a si mesmo: “Não sou apenas um!”
A expressão “nós” no alerta do sonâmbulo sentado no vaso após a ida à cozinha para a batelada de remédios para a garganta, denuncia sua multiplicidade.
Voltaram para a cama: um cansado, o outro desperto e inspirado, que instiga:
– Tá, e aí?
– Ah, não! Às 2 e 22 da matina?
– Tu vai ou não vai escrever esse miniconto?
– Tá bom… Esse argumento nem eu aguento.
Levantam trôpegos, à caça do celular, de volta à cozinha. Quando se deitam, um terceiro eu se manifesta a quem os acompanha na madrugada:
– Vocês sabem, né? Não tenho nada a ver com isso. Estava apenas observando… Afinal, não vão pensar os leitores que o louco sou eu!
Os outros dois riem, concordantes eus de seu triplo mais estúpido e covarde. Esses dormirão em paz, o outro vai ter de esperar – a insônia agora é dele…
Por: João Cony – escritor portoalegrense