Os planos de Trump de fazer deportações em massa caso eleito

Reivindicações pela deportação em massa de imigrantes são uma constante nos eventos de campanha de Trump




Reivindicações pela deportação em massa de imigrantes são uma constante nos eventos de campanha de Trump

Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Se for reeleito presidente, Donald Trump prometeu deportar em massa pessoas que não têm permissão legal para estar nos Estados Unidos.

Embora sua campanha tenha dado várias respostas sobre quantos poderiam ser deportados, seu candidato a vice-presidente J.D. Vance deu um número durante uma entrevista à ABC News esta semana.

“Vamos começar com um milhão”, disse ele. “É aí que Kamala Harris falhou. E então podemos seguir a partir daí.”

Mesmo que tenha se tornado uma pedra fundamental da plataforma de Trump — com cartazes em seus comícios dizendo “Deportações em massa agora!” — especialistas dizem que há desafios legais e práticos significativos para expulsar tantas pessoas.

Quais são os obstáculos legais?

Os últimos números do Departamento de Segurança Interna e do instituto de pesquisas Pew Research indicam que há cerca de 11 milhões de imigrantes indocumentados vivendo atualmente nos EUA, um número que se manteve relativamente estável desde 2005.

A maioria são residentes de longa data — quase quatro a cada cinco imigrantes estão no país há mais de uma década.

Imigrantes que estão no país sem status legal têm direito ao devido processo, incluindo uma audiência judicial antes de sua deportação.

Um aumento drástico nas deportações provavelmente implicaria uma grande sobrecarga no sistema de tribunais de imigração, que tem sido assolado por processos em atraso.

A maioria dos imigrantes que já estão no país entra no sistema de deportação não por meio de encontros com agentes do serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês), mas por meio da polícia local.

No entanto, muitas das maiores cidades e condados do país aprovaram leis que restringem a cooperação da polícia local com o ICE.

A campanha de Trump prometeu tomar medidas contra essas “cidades santuário”, mas a colcha de retalhos de leis locais, estaduais e federais dos Estados Unidos complica ainda mais o quadro.

Kathleen Bush-Joseph, analista de políticas do Instituto de Política Migratória (MPI, na sigla em inglês), com sede em Washington, diz que a cooperação entre o ICE e autoridades locais seria um aspecto “crítico” de qualquer programa de deportação em massa.

“É muito mais fácil para o ICE pegar alguém de uma prisão se a polícia local cooperar, em vez de ter que ir procurá-los”, diz ela.

Como exemplo, Bush-Joseph aponta para uma declaração do início de agosto dos gabinetes dos xerifes dos condados de Broward e Palm Beach, na Flórida, na qual eles disseram que não designariam oficiais para ajudar em nenhum plano de deportação em massa.

“Há muitos outros que não cooperariam com um plano de deportação em massa de Trump”, diz ela. “Isso torna tudo muito mais difícil.”

Qualquer programa de deportação em massa também provavelmente será quase imediatamente recebido com uma enxurrada de contestações legais de ativistas de imigração e direitos humanos.

Uma decisão da Suprema Corte dos EUA de 2022, no entanto, determinou que tribunais não podem emitir liminares sobre políticas de aplicação de leis de imigração — o que significa que essas políticas continuariam valendo mesmo enquanto as contestações percorrem o sistema legal.



A aplicação das leis de imigração pelo ICE longe das fronteiras geralmente se concentra em suspeitos com antecedentes criminais

A aplicação das leis de imigração pelo ICE longe das fronteiras geralmente se concentra em suspeitos com antecedentes criminais

Foto: Getty Images / BBC News Brasil

E a logística?

Se um governo dos EUA fosse capaz de seguir legalmente em frente com os planos de deportações em massa, as autoridades ainda teriam que lidar com enormes desafios logísticos.

Durante o governo de Joe Biden, os esforços de deportação se concentraram em imigrantes recém-chegados detidos na fronteira.

Os imigrantes deportados do interior dos EUA, de áreas não localizadas perto da fronteira, são, esmagadoramente, aqueles com históricos criminais ou considerados ameaças à segurança nacional.

Polêmicas batidas em locais de trabalho que foram realizadas durante a gestão Trump foram suspensas em 2021.

As deportações de pessoas presas no interior dos EUA — em oposição às que estão na fronteira — se mantém em torno de 100 mil por ano na última década, após atingirem um pico de mais de 230 mil durante os primeiros anos da administração de Barack Obama.

“Para elevar esse número, em um único ano, para um milhão, seria necessária uma injeção massiva de recursos que provavelmente não existem”, diz o diretor de políticas da organização sem fins lucrativos American Immigration Council, Aaron Reichlin-Melnick.

Primeiro, os especialistas duvidam que os 20 mil agentes e pessoal de apoio da ICE seriam suficientes para encontrar e rastrear até mesmo uma fração dos números alardeados pela campanha de Trump.

Reichlin-Melnick acrescenta que o processo de deportação é longo e complicado e só começa com a identificação e prisão de um imigrante sem documentos.

Depois disso, os detidos precisariam ser alojados ou colocados em um programa “alternativo à detenção” antes de serem levados perante um juiz de imigração, em um sistema com um acúmulo de processos de anos.

Só então os detidos são deportados dos EUA, um processo que requer cooperação diplomática do país receptor.

“Em cada uma dessas áreas, o ICE simplesmente não tem capacidade para processar milhões de pessoas”, diz Reichlin-Melnick.

Trump disse que envolveria a Guarda Nacional ou outras forças militares dos EUA para ajudar nas deportações.

Historicamente, o papel dos militares dos EUA em questões de imigração tem sido limitado a funções de apoio na fronteira EUA-México.

Além do uso dos militares e do “uso da polícia local”, Trump ofereceu poucos detalhes sobre como tal plano de deportação em massa poderia ser executado.

Em uma entrevista à revista Time no início deste ano, o ex-presidente disse apenas que “não descartaria” a construção de novas instalações de detenção de imigrantes e que daria imunidade à polícia contra processos de “grupos liberais ou progressistas”.

Ele acrescentou que também pode haver incentivos para que os departamentos de polícia estaduais e locais participem, e que aqueles que não o fizerem “não tomarão parte das riquezas”.

“Temos que fazer isso”, disse ele. “Este não é um problema sustentável para o nosso país.”

A BBC contatou a campanha de Trump para comentários adicionais.

Eric Ruark, diretor de pesquisa da NumbersUSA, uma organização que defende controles de imigração mais rígidos, diz que qualquer programa de deportação no interior dos EUA só seria eficaz se associado a uma maior fiscalização nas fronteiras.

“Essa tem que ser a prioridade. Muito pouco progresso será feito no interior se esse não for o caso”, diz ele. “É isso que faz as pessoas continuarem vindo.”

Além disso, Ruark diz que uma repressão às empresas que contratam imigrantes sem documentos também seria necessária.

“Eles estão vindo por empregos”, diz ele. “E eles estão conseguindo esses empregos porque a fiscalização interna foi basicamente desmantelada.”



Mesmo um pequeno aumento no número de imigrantes sendo deportados dos EUA exigiria investimento significativo e recursos adicionais

Mesmo um pequeno aumento no número de imigrantes sendo deportados dos EUA exigiria investimento significativo e recursos adicionais

Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Custos financeiros e políticos

Especialistas estimam que a conta total para um milhão ou mais de deportações chegaria a dezenas ou mesmo centenas de bilhões de dólares.

O orçamento do ICE para transporte e deportação em 2023 foi de US$ 420 milhões (R$ 2,3 bilhões). Naquele ano, a agência deportou pouco mais de 140 mil pessoas.

Milhares de imigrantes seriam detidos enquanto aguardam audiências judiciais ou deportações, e a campanha de Trump imaginou construir grandes acampamentos para abrigar todos eles.

O número de voos de deportação também precisaria ser drasticamente expandido, possivelmente exigindo aeronaves militares para aumentar a capacidade atual.

Apenas uma pequena expansão em qualquer uma dessas áreas pode resultar em custos significativos.

“Mesmo uma pequena mudança está na casa das dezenas de milhões, ou centenas de milhões [de dólares]”, diz Reichlin-Melnick.

“Uma mudança significativa está na casa das dezenas ou centenas de milhões.”

Esses custos seriam adicionais às despesas de outros esforços de fiscalização da fronteira que Trump prometeu: continuar o trabalho de construção de um muro na fronteira sul dos EUA, um bloqueio naval para impedir a entrada de fentanil no país e mover milhares de tropas para a fronteira.

Adam Isacson, especialista em migração e fronteira do Washington Office on Latin America, diz que “imagens de pesadelo” de deportações em massa também podem ter custo políticos para um potencial governo Trump, do ponto de vista de relações públicas.

“Todas as comunidades nos EUA veriam pessoas que conhecem e amam colocadas em ônibus [para serem deportadas]”, diz Isacson.

“Você teria algumas imagens muito dolorosas na TV de crianças chorando e famílias”, acrescentou.

“Tudo isso é uma propaganda incrivelmente ruim. É separação familiar, mas com esteroides.”

Deportações em massa já aconteceram antes?

Nos quatro anos do governo Trump anterior, cerca de 1,5 milhão de pessoas foram deportadas, tanto da fronteira quanto do interior dos EUA.

O governo Biden — que deportou cerca de 1,1 milhão de pessoas até fevereiro de 2024 — está a caminho de igualar essa marca, mostram as estatísticas.

Durante os dois mandatos do governo Obama — quando Biden era vice-presidente — mais de três milhões de pessoas foram deportadas, levando alguns defensores da reforma imigratória a apelidar Barack Obama de “deportador-chefe”.

A única comparação histórica com um programa de deportação em massa ocorreu em 1954, quando cerca de 1,3 milhão de pessoas foram deportadas como parte da Operação Wetback, nomeada em referência a um termo depreciativo comumente usado contra mexicanos na época.

Esse número, no entanto, é contestado por historiadores.

O programa, sob o governo de Dwight Eisenhower (1890-1969), encontrou considerável oposição pública — em parte porque alguns cidadãos americanos também foram deportados — bem como falta de financiamento. Foi descontinuado em 1955.

Especialistas em imigração dizem que o foco da operação anterior em cidadãos mexicanos e a falta de devido processo a tornam incomparável com o que seria um programa moderno de deportação em massa.

“Aqueles [deportados na década de 1950] eram homens mexicanos solteiros”, diz Kathleen Bush-Joseph, do Instituto de Política Migratória.

“Agora, a grande maioria das pessoas que vêm são de lugares que não são o México, ou mesmo o norte da América Central. Isso torna muito mais difícil devolvê-los [a seus países de origem]”, acrescenta.

“Não são situações comparáveis.”

Fonte: Terra

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