Corporação atendeu a pedido do ministro Flávio Dino e instaurou inquérito parar apurar irregularidades em “indicação coletiva” de emendas
A PF (Polícia Federal) instaurou na 3ª feira (24.dez.2024) um inquérito para apurar irregularidades na liberação de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares de comissão, a pedido do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino.
Na avaliação da diretora do Transparência Brasil, Marina Atoji, uma investigação policial sobre emendas na fase de indicações é um procedimento “inédito”. Segundo a jornalista, especialista na Lei de Acesso à Informação, a polícia, geralmente, investiga a liberação de emendas quando estas já estão “na fase de execução, para verificar as irregularidades e apurar denúncias”. “Na fase de elaboração e aprovação, pelo menos nos meus últimos 15 anos que acompanho esse tema, é inédito”, disse ao Poder360.
A fase de execução refere-se ao momento em que as emendas propostas e aprovadas em um orçamento público começam a ser implementadas. Na prática, significa que os recursos financeiros já foram alocados e estão prontos para serem utilizados na execução dos projetos ou ações específicas previstas nas emendas. No caso das emendas de comissão investigadas a pedido de Dino, estas foram propostas por meio de um ofício assinado por 17 líderes partidários, coordenado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O Poder360 teve acesso ao ofício –que foi revelado pela revista Piauí. O documento mostra mais de 5.294 emendas com ratificação de indicação e outras 1.117 novas indicações. O documento pede a execução de R$ 4,2 bilhões, que já estavam previstos no Orçamento de 2024. Em vez de aprovadas em comissão pelo colegiado, as propostas foram “apadrinhadas” pelos 17 líderes partidários em acordo com Lira. No documento, enviado ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, e ao ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, os líderes declararam-se coletivamente responsáveis por todas as indicações de emendas de comissão, atuando como se fossem os próprios solicitantes.
Segundo Atoji, o formato “coletivo” adotado pela Câmara é “fora do processo legal”. “Sabemos que não são esses líderes os autores das emendas. E não existe no regimento da Casa essa figura de ratificação de emendas de comissão sem falar com a própria comissão”, declarou a este jornal digital.
Normalmente, as emendas de comissão são propostas por comissões permanentes das Câmara ou Senado, como a Comissão de Educação, a Comissão de Saúde, entre outras. Os colegiados identificam demandas ou prioridades relacionadas à sua área de atuação e decidem onde os recursos devem ser aplicados. No entanto, o processo não ocorreu desta forma neste caso.
A aprovação das emendas por meio de ofício foi feita em meio a corrida do Congresso para aprovar as pautas prioritárias do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 12 de dezembro, Lira cancelou todas as reuniões das comissões até 20 de dezembro, justificando a medida com a existência de votações pendentes de “relevante interesse nacional”. Na ocasião, o Congresso discutia propostas econômicas de interesse do governo, como a reforma tributária e o pacote de corte de gastos. Ou seja, desta forma, os recursos adicionais não puderam ser analisados pelos colegiados.
Do total de R$ 180 milhões em novas emendas propostas no ofício, R$ 73,8 milhões são destinados a Alagoas, Estado de Arthur Lira. O ofício recebeu o parecer favorável da AGU (Advocacia Geral da União), que indicou que as emendas cumpriam a determinação do STF com os critérios de transparência e autoria.
A medida, no entanto, foi de encontro com decisão de Flávio Dino, de 2 de dezembro, que liberou as emendas de comissão, mas condicionou a medida à devida identificação dos congressistas. Segundo ele, “para o devido controle social, é imprescindível que qualquer modificação relacionada à execução das ‘emendas de comissão’ – por exemplo, com vistas à destinação a uma ação específica – seja aprovada pelas comissões e devidamente registrada em ‘ata’”.
Considerando haver irregularidades na forma como a liberação dos recursos foi aprovada, o Psol entrou com um mandado de segurança no STF. Na 3ª feira (23.dez), atendendo ao pedido do partido, Dino suspendeu novamente a distribuição de emendas de comissão. Entendeu que a liberação dos recursos descumpriam as decisões do Supremo sobre transparência e rastreabilidade. Eis a íntegra da decisão (PDF – 254 kB).
“Tamanha degradação institucional constitui um inaceitável quadro de inconstitucionalidades em série, demandando a perseverante atuação do Supremo Tribunal Federal”, disse o magistrado na decisão.
Considerando a manifestação do partido, Dino, por sua vez, pediu que a PF abrisse um inquérito para apurar as possíveis irregularidades na indicação destas emendas.
O magistrado afirmou que o “apadrinhamento” indica uma violação das decisões do STF, que determinam que as emendas contenham informações “completas, precisas, claras e sinceras”.
Dino também deu o prazo de 5 dias corridos para a Câmara publicar em seu site as atas das reuniões das comissões permanentes nas quais foram aprovadas as emendas que constam no ofício. Ou seja, a Câmara tem até 27 de dezembro para atender o pedido.
O pagamento das emendas só poderá ser feito depois que os documentos chegarem ao Planalto e desde que elas sigam os critérios definidos pelo Supremo na decisão de 2 de dezembro.
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