Roberto Livianu | Governo e oposição de mãos dadas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à direita, durante a cerimônia de sanção da nova Lei Geral do Turismo. Ao seu lado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)

Sucessão na Câmara tem sido fruto de ampla coalizão política, a mesma formada para aprovar mecanismos que impedem transparência

Há poucos meses, o Instituto Não Aceito Corrupção divulgou a 2ª edição de sua pesquisa bianual sobre condutas corruptas e níveis de aceitação da corrupção. Merecem destaque algumas das conclusões, especialmente o apontamento que 62% dos entrevistados (foram 2.006 ouvidos presencialmente em todo o país, em parceria com a Ágora Pesquisa) já vivenciaram a compra de votos por dinheiro.

A pesquisa consegue inclusive chegar ao detalhamento da precificação do voto, chegando ao valor médio de R$ 124 na região Nordeste e R$ 142 na região Sul, por exemplo. Por outro lado, a compra de votos foi uma das 3 condutas, ao lado da rachadinha e da contratação de funcionários fantasmas mais repudiadas, consideradas mais repugnantes e inaceitáveis. 

Comparando-se com as condutas que são aceitáveis (oferecer dinheiro a um policial para não ser multado e para receber segurança em estabelecimento comercial), conclui-se que as condutas menos repudiadas são aquelas em que não se desvia dinheiro, em que ocorre mero desvio ético.

Assim, talvez seja razoável concluir que não haja grande rigor em relação ao cumprimento de preceitos meramente éticos. Pois bem, passados poucos meses da divulgação da pesquisa, as eleições municipais 2024 nos trouxeram alguns números perturbadores que chegam a ser pornográficos. 

Em 1º lugar, em matéria de compra de votos, foram apreendidos 21 milhões em dinheiro vivo, segundo a Diretoria Geral da Polícia Federal, número 14 vezes maior que o das eleições municipais de 2020. Trata-se de verdadeiro escândalo, que demanda extrema atenção por parte do sistema de Justiça Eleitoral.

Mas não é só. É fato notório que as avaliações dos prefeitos em geral não são consagradoras, quando muito consideradas boas ou razoáveis. No entanto, o índice de reeleição dos chefes do Executivo municipal discrepa diametralmente deste cenário. Tivemos o recorde histórico de 82% de reeleições, observando-se que nos 100 municípios mais beneficiados por emendas Pix, o índice de reeleição de prefeitos sobe a 93%.

É óbvio que quem está no poder detém a força da máquina pública e recebe verba das emendas parlamentares secretas, sem destinação definida, podendo gastar a seu critério as verbas, fica em significativa vantagem em relação ao candidato que não tem esta condição. Estamos numa circunstância de competição desigual pelo voto, o que danifica elementos republicanos e democráticos. 

Não nos esqueçamos que os R$ 4,9 bilhões do Fundo Eleitoral (o maior do mundo) e o R$ 1,2 bilhão do fundo partidário são destinados pelos partidos políticos a seu bel-prazer. Não há critérios legais definidos, não existem políticas de compliance adotadas pelos partidos, não existe accountability, não há compromisso com a transparência, não existe fiscalização. Os dirigentes se comportam como se fossem os donos dos partidos e distribuem os recursos como bem entendem a seus apadrinhados, desconsiderando o fato de se tratar de dinheiro público.

É neste cenário que temos observado em diversas ocasiões a convergência política entre a chefia do Executivo e do Legislativo, entre governo e oposição na aprovação de propostas que vêm na contramão do interesse público, como foi a lei 14.230 de 2021, que sucateou a lei de improbidade administrativa. Isto ocorreu novamente quando foi aprovada a anistia aos partidos políticos e isto se vê novamente em marcha em relação ao PLP 192 de 2023 que propõe o substancial enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa, uma das raras leis aprovadas a partir de projeto de iniciativa popular que levou 14 anos para colher as assinaturas.

E merece destaque que o método da urgência de votação, que somou 22 ocorrências em 2008, no ritmo que estamos, pode totalizar 400 em 2024. Significa a renúncia a audiências públicas, de debates, de amadurecimento democrático. Implica em empobrecer a democracia e isto ocorreu novamente em relação à Lei da Ficha Limpa. O PLP não foi aprovado ainda porque estávamos em plenas eleições e se temeu a repercussão negativa naquele momento com impacto ruim nas urnas.

Como se sabe, o Poder Legislativo, além de debater projetos e criar leis, tem a missão constitucional de fiscalizar o Poder Executivo, dentro da lógica do sistema de freios e contrapesos e em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes, pedra angular de nosso sistema jurídico.

Por isto, chama a atenção o anúncio público do nome do provável sucessor do atual presidente da Câmara Arthur Lira, fruto de ampla coalizão política. Aponta-se que o deputado federal Hugo Motta, um jovem médico de 35 anos do Republicanos da Paraíba, já contaria com o apoio do atual presidente da Câmara, do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, que hoje se coloca como figura oposicionista frontal ao presidente da República. E que teria igualmente o apoio do próprio partido governista, o que em boa medida obviamente equivale ter o aval do Palácio do Planalto.

Absolutamente nada contra esse digno congressista, para o qual se deseja sucesso se de fato for eleito para o cargo, mas fato é que nos bastidores do poder, fala-se que a construção da “convergência” pode ter incluído acordo para nomeação de um aliado do atual presidente da Câmara para o cargo de ministro do TCU, assim como acordo para a concessão de anistia a Bolsonaro em relação aos gravíssimos fatos que causaram sua inelegibilidade.

Paralelamente, nada se diz sobre as propostas do futuro presidente da Câmara em relação a tornar a Câmara mais transparente observando com mais rigor a Lei de Acesso à Informação, em dar espaço para a participação da sociedade civil, em assumir compromisso em diminuir as crescentes urgências de votação. Nada se sabe do que ele pensa em relação ao tema transparência no tema emendas parlamentares, rastreabilidade e apontamento claro de destino de verbas, na linha do que decidiu o STF.

Não me parece ser exagero afirmar que esta coalizão é mais do mesmo em relação ao que temos vivido nos últimos anos no que diz respeito aos temas transparência, integridade e combate à corrupção. Além disto, quando Legislativo e Executivo e oposição se unem, o conceito de freios e contrapesos fica desconfigurado ou comprometido. Que eficiência se pode esperar de uma fiscalização em que fiscal e fiscalizado estão abraçados em pleno procedimento, rindo, tomando uma cervejinha juntos no bar?

Fonte: Poder 360

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