Rogério Marinho | Escala 4 X 3 ignora a foto 3×4 do Brasil

Proposta desconsidera a necessidade de aumentar a produtividade e o risco para pequenos negócios com redução abrupta da jornada semanal de trabalho de 44 horas para 36 horas

A recente PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que busca reduzir a jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, “sem” redução salarial, tem produzido muito calor e pouca luz. Apresentada como uma “nova” ideia, apenas para colher assinaturas, o texto estipula uma jornada máxima de 4 dias por semana, alegadamente beneficiando trabalhadores. Contudo, uma análise cuidadosa revela sérios problemas de viabilidade, indicando que essa PEC é, na verdade, uma aventura que punirá os mais pobres.

O texto surge em um contexto político peculiar. Depois de resultados desfavoráveis para a esquerda brasileira nas eleições municipais e para os chamados progressistas nos Estados Unidos, que viram o republicano Donald Trump voltar ao poder, a proposta ganhou força como uma tentativa de revitalizar agendas liberais mais tradicionais na área dos costumes, com menos identitarismo. A proposta, no entanto, carece de evidências robustas que demonstrem impactos positivos no cenário econômico e social do Brasil.

Estudos preliminares sugerem que a aprovação teria consequências graves para a economia. Economistas indicam que a redução da jornada semanal poderia diminuir o PIB (Produto Interno Bruto) em até 8,1%, dependendo do cenário. Para a indústria, a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) estima um aumento anual de R$ 115,9 bilhões em custos, o que seria equivalente a 15,1% de custos a mais com pessoal.

Setores que dependem de operações contínuas, como bares, restaurantes e pequenos negócios, seriam particularmente prejudicados. Associações alertam que esses custos podem inviabilizar milhares de estabelecimentos. Em um país em que as micro e pequenas empresas são responsáveis por mais de 50% da criação dos empregos formais no setor privado, as consequências seriam devastadoras, especialmente em regiões com alta informalidade.

Deve ser sempre lembrado que a informalidade é uma realidade que atinge cerca de 40% da força de trabalho no Brasil –e que pode crescer ainda mais. Em Estados das regiões Norte e Nordeste, onde a informalidade não é exceção, muitas cidades têm mais de 70% de informalidade. Logo, a PEC 4 X 3 pode acentuar problemas de empregabilidade e desenvolvimento regional, em vez de resolvê-los. 

Portanto, trata-se de discutir um impacto desigual entre trabalhadores. Profissionais menos qualificados enfrentam maior risco de desemprego por causa da substituição por máquinas ou processos mais eficientes, já que o aumento dos custos incentivaria empresas a buscar alternativas.

Além disso, a proposta ignora lições internacionais. Países que reduziram suas jornadas de trabalho o fizeram acompanhados por aumentos substanciais de produtividade acumulados ao longo dos anos. A combinação de educação, qualificação e estabilidade econômica e social foi essencial para se alcançar esse resultado. No Brasil, onde a produtividade está estagnada há décadas, a medida resultaria apenas em aumento de custos sem compensações produtivas. 

Os países avançados investiram em educação, tecnologia e inovação para sustentar a redução de horas trabalhadas. Já o Brasil segue com deficiências crônicas nesses quesitos. Por exemplo, 7 em cada 10 estudantes brasileiros têm dificuldades para resolver problemas matemáticos básicos, segundo avaliações internacionais. Isso significa que não atingiram o nível 2 de proficiência, de um total de 6, no exame do Pisa/OCDE. Pela metodologia (PDF – 2 MB), seriam incapazes de comparar a distância total de duas rotas alternativas ou converter preços em uma moeda diferente, por exemplo.

Quando comparado com países em estágio de desenvolvimento semelhante, vê-se que o Brasil já tem um dos menores números de horas trabalhadas entre os países do Brics e da América Latina. É claro que frente a tantos improvisos, trata-se de oportunismo político. Relembre-se que, inicialmente, o ministro do Trabalho defendeu que a questão deveria ser resolvida por convenções e acordos coletivos. Poucos dias depois, mudou de atitude, passando a apoiar a proposta e a utilizá-la como bandeira política.

Essa inconsistência reflete a falta de planejamento do governo em temas estruturais, agravada por contradições na política fiscal. Enquanto se debate um suposto corte de gastos, o governo estimula cortinas de fumaça que aumentam os custos para empresas e, possivelmente, para o próprio setor público.

A PEC 4 X 3 traz consigo uma série de incertezas. Como ela afetará setores que dependem de operações contínuas? Haverá aumento de preços, especialmente em serviços essenciais, como medicamentos e alimentos? O governo está preparado para subsidiar os custos adicionais das pequenas empresas? O governo está disposto a gastar mais para qualificar os trabalhadores que poderiam ser demitidos?

Países que reduziram suas jornadas de trabalho o fizeram ao longo de décadas, de forma experimental e gradativa. Nada disso entrou na PEC em discussão. No Brasil, a pressa pode acabar em resultados desastrosos, sobretudo ao se considerar que a reforma tributária já aumenta os encargos sobre o setor de serviços numa transição de cerca de 10 anos.

Em vez de solucionar os problemas estruturais do mercado de trabalho, a PEC da escala 4 X 3 os agrava. Ela ignora o elevado índice de informalidade, a baixa produtividade e ameaça pequenos negócios. Ao impor custos adicionais sem contrapartidas claras, a proposta desestabiliza a economia, penaliza os trabalhadores de menor qualificação e desvia o foco dos desafios que enfrentamos.

O Brasil precisa de soluções estruturadas que priorizem investimentos em educação, tecnologia e qualificação profissional. Uma aventura que desconsidera as reais necessidades dos trabalhadores, em um momento de crise fiscal e desafios econômicos, nada mais é do que uma inversão das prioridades do país. O mundo assiste a um filme sobre o enterro da pauta identitária, os tropeços de Kamala, Janja e Silvio Almeida. Tentar fazer Lula ficar bem em uma única foto, enquanto se ignoram reformas, é mais um capítulo de um filme que já vimos.

Fonte: Poder 360

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